O jornalista da Rede Globo Tim Lopes foi morto com um golpe de espada do tipo samurai, desferido pelo líder do tráfico do Complexo do Alemão, Elias Pereira da Silva, o Elias Maluco, depois de ser capturado e torturado por traficantes da Favela Vila Cruzeiro, na zona norte do Rio. Antes de ser morto, Tim teria sido submetido a um julgamento comandado por Elias Maluco e outros três traficantes. A polícia chegou a essas informações depois de prender três suspeitos de terem participado do crime, na manhã de ontem. Um deles tinha prisão preventiva decretada há mais de um ano por tráfico de drogas. Outro, vinha sendo investigado e o terceiro é um adolescente de 16 anos.
Tim Lopes desapareceu há oito dias, quando preparava uma reportagem sobre um baile funk na Vila Cruzeiro, em que havia venda de drogas e shows de sexo explícito com menores de idade. Os traficantes desconfiaram da bolsa na cintura que o jornalista carregava, e onde ele escondia uma microcâmera.
Ontem o secretário de Segurança Pública do RJ, Roberto Aguiar, proibiu a realização do baile. A polícia ocupou o morro. O ministro da Justiça, Miguel Reali Júnior, informou que deslocou helicópteros e o comando de Operações Táticas da Polícia Federal para ajudar na investigação do caso.
Cinco suspeitos de terem participação na morte de Tim Lopes foram presos em suas casas, no Morro Caixa d’Água, uma das favelas do Complexo do Alemão, às 7h de ontem. Levados para a 38.ª Delegacia de Polícia (Brás de Pina), dois deles foram liberados por falta de provas.
Outros dois, no entanto, Fernando Sátiro da Silva, de 25 anos, o Frei, e Reinaldo Amaral de Jesus, de 23, o Cadê, contaram que “ouviram dizer” como Tim Lopes havia sido assassinado. “O problema é que esse ‘ouviram dizer’ está muito rico em detalhes”, afirmou o chefe de Polícia Civil do RJ, Zaqueu Teixeira. “Foi um crime com requintes de crueldade.” A polícia ainda não determinou o envolvimento do menor de 16 anos, que permanece preso.
Segundo Frei, os traficantes desconfiaram da presença constante do repórter na favela nos últimos dias. Um dos seguranças do traficante Maurício de Lima Martins, o Boi, abordou Tim Lopes na Rua Oito, onde fica a boca-de-fumo e o baile funk. O jornalista foi levado à presença de Boi e André da Cunha Barbosa, o André Capeta.
Ali, foi revistado e descoberta a câmera e os fios do microfone escondidos sob a camisa. Tim disse que era repórter da Rede Globo. Os traficantes pediram crachá de identificação, mas Tim Lopes respondeu que não estava com ele. Até então, ele havia sido agredido “apenas com uns tapas, umas porradas”, segundo o depoimento de Frei.
Troféu
Os traficantes usaram um rádio Nextel para se comunicar com Elias Maluco. “Ele recebeu a notícia da captura de Tim Lopes como um troféu”, afirmou o delegado da 38.ª DP, Reginaldo Guilherme. “E fez questão de terminar o serviço.” Elias Maluco determinou que Tim Lopes fosse levado para a Favela da Grota, principal reduto do traficante. Tim teve as mãos amarradas para trás, foi colocado num Fiat Palio e levado para o alto do morro vizinho.
No local conhecido como “microondas”, onde são feitas as execuções, Tim foi baleado no pé, para evitar que fugisse. Elias Maluco, André Capeta, Boi e o traficante Ratinho comandaram um julgamento, em que ficou decidida a morte do jornalista. Lá, cercado de traficantes, foi executado com um golpe que cortou do peito ao umbigo do jornalista.
“Eles contaram que quando Tim Lopes foi atingido, o sangue dele espirrou em todos que estavam a sua volta”, contou o delegado Guilherme. O crime teria ocorrido nos primeiros minutos de segunda-feira. O corpo do jornalista foi incendiado num monte de pneus e seus restos enterrados num cemitério clandestino, próximo dali.
Ratinho, um dos que “condenaram” Tim Lopes, aparece nas gravações da reportagem “Feira de Drogas”, em que o jornalista denunciou venda de entorpecentes nas ruas das favelas. Mas, segundo depoimento de Frei, os traficantes não sabiam que Tim havia sido o autor da matéria.
De acordo com as informações colhidas pelo delegado Reginaldo Guilherme, os restos mortais recolhidos na segunda-feira passada e levados para análise de DNA pertenciam a um morador da favela, assassinado pelos traficantes depois de ter estuprado uma menina de 11 anos. A polícia recebeu ontem as fitas gravadas por Tim Lopes, para auxiliar na possível identificação dos assassinos.
Frei confirmou a existência do baile funk aos domingos e reconheceu que há venda de drogas durante a festa. Mas negou a exploração sexual de adolescentes. O traficante disse que o baile é comandado por João Rato, ligado à Associação de Moradores da Vila Cruzeiro. A polícia tem informação de que ele seria um ex-policial militar. João Rato tem depoimento marcado para as 18h de hoje, na 22.ª DP (Penha). Se ele faltar, terá a prisão preventiva pedida. Hoje a polícia pretende ir ao cemitério clandestino, em busca do corpo de Tim Lopes.
Matador é o maior dos bandidos
Foragido há dois anos, Elias Pereira da Silva, conhecido como Elias Maluco, é acusado de comandar um exército de mais de 300 homens armados nas 13 favelas do Complexo do Alemão e na vizinha Vila Cruzeiro, zona norte do Rio onde o repórter da TV Globo, Tim Lopes, foi visto pela última vez, no dia 2 de maio.
É o principal líder da facção criminosa Comando Vermelho (CV) em liberdade, apontado pela polícia como um dos criminosos mais violentos do Estado. Cerca de 250 mil pessoas vivem sob as regras impostas pelo traficante nas comunidades de Olaria e da Penha, na zona norte da cidade.
Há dois mandados de prisão expedidos contra ele pelo 1.º Tribunal do Júri por homicídios e um pela 34.ª Vara Criminal, por tráfico de drogas. Elias Maluco já foi preso uma vez pela polícia, em 1996. Saiu de Bangu 3 em 2000, em liberdade condicional. Dez dias depois de deixar a cadeia, a Justiça decretou sua prisão por homicídio. Nunca mais foi encontrado.
A Secretaria da Segurança do RJ investiga a participação do traficante na suposta aliança do CV com a facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), que atua em São Paulo. A inspetora Marina Maggessi, da Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE), acredita que Elias Maluco não só comanda o Complexo do Alemão, como tem gerência nas outras áreas dominadas pelo CV. “Ele é extremamente violento e desafia a polícia de todas as maneiras”, afirma a inspetora. Seria responsável pela distribuição de metade da droga vendida no Rio.
É atribuída a Elias Maluco a tentativa de invasão ao Fórum de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, em janeiro. Na tentativa de libertar três criminosos que estavam depondo, um grupo do traficantes trocou tiros com policiais na porta do Fórum.
Na ação, foram usadas três Blazer com emblemas da Polícia Federal. Desde então, o traficante tem incentivado a ataques a policiais, segundo a inspetora da DRE. De acordo com a polícia, o bando de Elias Maluco costuma promover “bondes” com freqüência. A quadrilha tem o hábito de torturar, matar e depois queimar membros de morros rivais. Em fevereiro, a polícia localizou uma espécie de crematório no alto do Morro da Fé, na Penha, área de Elias Maluco. Lá, foram encontrados aros de pneus (onde os corpos são colocados antes de serem queimados), grande quantidade de cinzas e pedaços de ossos e dedos.
Criticado combate à violência
A confirmação do assassinato do jornalista da TV Globo, Tim Lopes, por traficantes levou o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, deputado Orlando Fantazzini (PT-SP), a cobrar do governo uma política mais eficaz para combater a violência no País.
“A falência do Estado é visível quando um profissional que tem trabalhado para a construção da democracia no País é alvo do crime organizado”, afirmou o deputado.
Fantazzini avalia que o governo trilha caminho errado na garantia da segurança pública. “Não é com mais armas ou aumentando penas de prisão que se conseguirá acabar com a violência. São urgentes medidas que garantam emprego, acesso à educação e reduzam as desigualdades sociais, defendeu. “O crime organizado ganha espaço onde o Estado não se faz presente.”
O ministro da Justiça, Miguel Reale Júnior, lamentou a morte do jornalista. “Este fato atinge a todos nós: a sociedade brasileira e a mim.” O ministro reafirmou que já ordenou o deslocamento de agentes do Comando de Operações Táticas da Polícia Federal e de helicópteros de Brasília para o Rio de Janeiro. Irão reforçar a força-tarefa criada com a missão de combater a violência e ajudar a identificar os assassinos de Lopes. “Impedir a impunidade é fundamental para paz social”, afirmou Reale Júnior.