Aos 74 anos, Zagallo parece desafiar o tempo e seu relacionamento com a carreira. Enquanto o técnico Carlos Alberto Parreira prepara-se para a aposentadoria depois do Mundial da Alemanha, já anunciada, o Velho Lobo não admite sequer a idéia de parar, mesmo ainda visivelmente abatido com a cirurgia de seis horas que fez quatro meses atrás e que mexeu com quase todo o seu organismo.
Zagallo tirou a visícula, parte do estômago, pâncreas e duodeno. Emagreceu 11 quilos. Pesa 58, e não deve recuperar muito mais que isto, dada sua falta de apetite. "Hoje eu como bem menos do que comia antes da operação e mesmo assim após cada refeição parece que comi um boi inteiro", comentou, ele que ficou 39 dias internado no hospital após a cirurgia. Foi lá que viu um garoto de 21 anos morrer ao seu lado de leucemia.
O encontro da delegação brasileira para a partida com o Chile marca sua volta à Seleção, de onde não quer sair por nada nesse mundo. "Isso aqui me traz vida, me traz saúde. Não sei viver sem estar envolvido com a amarelinha", diz um Zagallo ainda animado em comentar as coisas da Seleção.
Nesta quinta-feira, na Granja Comary, ele passou por um verdadeiro teste de saúde: ficou quase 30 minutos atendendo aos jornalistas debaixo do sol quente de Teresópolis. Tratou a todos com a mesma atenção. Era o mesmo Zagallo de sempre, com frases de efeito e emoção nos olhos ao referir-se do time que entra em campo logo mais.
Nesta quinta-feira de manhã, um de seus filhos esteve na Granja para lhe trazer um complemento alimentar medicamentoso. "Esqueci em casa no embarque", disse. Sua saúde não permite mais estravagâncias. O coordenador técnico passa a maior parte do tempo sentado, observando o que acontece em campo.
Poucos vezes se entrega ao trabalho de bola. Mas está feliz. "Pensei em voltar mais cedo, para os jogos da Argentina ou mesmo para o amistoso com a Croácia, mas não deu. Esse meu retorno me enche de vida. Foi a melhor coisa que poderia ter me acontecido nesse momento."
Zagallo diz que seu retorno é para não parar mais. De Teresópolis, ele seguirá para Brasília e depois para Sevilha, onde a Seleção fará amistoso contra o time local, terça-feira. Volta então ao Brasil e fica na espera do jogo com a Bolívia em La Paz. "Não existe qualquer restrição às minhas viagens. Estou mais magro, mas estou bem", comentou. "E dessa forma, estarei lá na Alemanha em 2006, e depois nas próximas disputas da Seleção, se Deus quiser."
Sua carreira no futebol é talvez a mais longinqua de que se tem notícia no futebol mundial, digna de um registro no Guiness, o livro dos recordes. Zagallo começou nas categorias de base do América em 1948.
Eram tempos de guerra no mundo. Em 52, profissionalizou-se no Flamengo. E não parou mais. É mais de meio século de serviços prestados ao futebol brasileiro. Como jogador, ele esteve nas conquistas mundiais de 58 e 62. Foi auxiliar técnico de Pareira em 94 e técnico da Seleção no vice de 98. A governadora do Rio, Rosinha Garotinho, prometeu-lhe um busto no novo Macaranã, onde já há Garrincha e Bellini. Aí, Zagallo será eterno.