O texto, retransmitido por diversas pessoas, de tal forma que muitas vezes chegava aos mesmos endereços, era atribuído a alguém com curso superior. Questionava o que um bom resultado na copa mundial de futebol poderia fazer contra a nossa 68.ª posição no IDH – Índice de Desenvolvimento Humano, calculado pela Organização das Nações Unidas; contra o nosso enorme peso fiscal sem melhoria da qualidade dos serviços públicos; contra o nosso salário mínimo, que é também um dos mínimos do planeta; contra a nossa privilegiada classificação na Copa Mundial de Corrupção – CMC; contra a nossa confortável medalha de ouro na Olimpíada Mundial de Concentração de Riqueza.
Observando que mais um caneco nada poderia contra a iminente argentinização da economia ou a colombinização de nossa guerrilha urbana ou, ainda, contra a desorganização do Estado a serviço do crime organizado legal e ilegal, questionava mais. De que adianta ganharmos a copa do mundo se somos lanterninha no campeonato de qualidade de vida? – perguntava o difundido articulista.
Segundo ele, a melhoria em resultados nos campeonatos esportivos anestesiam cada vez mais o povo, de tal forma que esquecemos aquilo que é realmente importante. Nossa retaguarda fica, assim, livre para as mais avantajadas exigências dos campeões do capital e para os desmandos do ditador civil de plantão. De olho no futebol, ficamos também alheios à manipulação das eleições e das votações no Congresso Nacional por parte dos poderosos lobistas nacionais e estrangeiros, que, tendo com olhos, ouvidos e voz a grande mídia e os jornalistas mercenários que ali trabalham, enganam nosso povo… O esporte – arrematava aludindo, Karl Marx – é o ópio do povo!
Num desses repiques da correspondência, uma pequena frase liquidava o esforço e a pretensa lucidez do articulista: nem só de preocupações devem viver os homens. Eu torço pelo Brasil. Sem stress, por favor! Na TV, o pentacandidato a presidente da República Lula da Silva dizia mais ou menos isso: os brasileiros já amadureceram para entender que uma vitória do Brasil nada tem a ver com o governo, mesmo que este queira manipular o resultado. Sem essa de ópio do povo. Torço pelo Brasil, o povo gosta de coisa boa e merece coisa boa.
Deu no que deu: estamos nas quartas-de-final com um dois a zero que honra a nossa camisa. É verdade que começamos um pouco desacreditados. Mas foi melhor assim. Já estamos envaidecidos. E se a sorte e Felipão nos ajudarem ainda haveremos de trazer o caneco. Isso fará bem à nossa economia, à nossa auto-estima, à nossa política – como aliás, faria bem à auto-estima de qualquer povo. Fará bem a ricos, pobres e remediados. E ajudará a espantar o mau humor de muita gente que só é capaz de enxergar coisa ruim mesmo numa partida de futebol.