Em termos de intensidade e repercussão internacional, ao que parece, somente a queda dos ex-ministros José Dirceu e Antonio Palocci, cada um por motivos diferentes, mas que encontraram nutrientes básicos numa percepção bastante similar do maniqueísmo herdado da proximidade do poder, estabelece alguma analogia com o pedido de exoneração de Marina Silva, a antiga líder do sindicato dos seringueiros do Acre, eleita duas vezes senadora e escolhida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para o Ministério do Meio Ambiente.

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A grande diferença, porém, é que Marina não se tornou alvo de nenhuma crítica acerba da imprensa internacional, mas ao contrário, teve mais uma vez seu nome colocado entre os maiores defensores do patrimônio natural, especialmente da Amazônia, onde foi criada. Basta observar a declaração do professor Anthony Hall, da London School of Economics, publicada ontem pela BBC Brasil, lembrando que segundo seu ponto de vista a saída da ministra ?vai ser interpretada como um enfraquecimento da preocupação do governo com o meio ambiente e com a conservação da floresta?. Estudioso de programas de desenvolvimento sustentável, Hall também é pesquisador de questões relacionadas com a floresta amazônica há mais de 20 anos.

Quando o presidente Lula anunciou a nomeação de Marina Silva, diz o professor, o fato de ter convocado uma pessoa pobre, analfabeta até a adolescência e profundamente tocada pela problemática de vida dos povos da floresta, a mensagem clara era entregar a gestão da política ambiental a alguém que se tornara símbolo da luta preservacionista, além de sublinhar diante do mundo a real importância conferida à questão.

O impacto da demissão de Marina é algo inusitado que certamente está balançando algumas consciências na capital da República. No editorial da edição de ontem, intitulado ?Salvem os pulmões de nosso planeta?, o jornal britânico The Independent comentou o assunto e lembrou que a ministra ?parecia uma voz solitária no governo brasileiro, derrotada em votações como a introdução de grãos geneticamente modificados, a construção de uma nova usina nuclear e em projetos maciços de infra-estrutura, incluindo duas grandes represas para hidrelétricas e a construção de uma nova estrada na floresta?.

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Ressalte-se que o diário inglês concorda em gênero e número com o pensamento dominante nas economias industrializadas, de que a Amazônia deve constituir preocupação mundial, embora desta vez tenha usado uma fórmula extremamente sensata ao reconhecer que ?as mudanças climáticas são o maior fracasso do mercado já visto no mundo; aqueles que poluem, geralmente, não são os que pagam. A Amazônia é um recurso precioso para o mundo todo e pelo qual nós todos devemos assumir a responsabilidade?. O jornal declarou ainda que o custo financeiro da eliminação do desmatamento (US$ 80 bilhões) ?é uma conta relativamente baixa se for paga por todo o mundo?, ficando de fora o Brasil que não precisaria pagar por uma providência que será vital às demais regiões do planeta.

Por outro lado, na avaliação do ministro Roberto Mangabeira Unger, coordenador do Programa Amazônia Sustentável e pivô do pedido de exoneração de Marina Silva, ?a Amazônia não é um conjunto de árvores?, mas um grupo de 25 milhões de pessoas que se não tiverem oportunidades serão impelidas por atividades econômicas desordenadas a forçar o desmatamento. Ele diz também que a defesa e conservação da floresta necessitam duma estratégia econômica capaz de superar a falsa disputa entre os dois argumentos.

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Quanto ao novo ministro do Meio Ambiente, deputado estadual petista Carlos Minc, que desempenhou a mesma função no governo do Rio de Janeiro, resta saber se terá fôlego e vontade para encarar os desenvolvimentistas.