O volume de recursos liberado para o setor agrícola no Brasil caiu à metade entre 1986 e 2004 (últimos dados disponíveis no Banco Central). Em cifras padronizadas aos valores de 2004, o crédito rural passou de R$ 81,4 bilhões para R$ 40,4 bilhões, uma contração de 49,7%, revela estudo feito pelo BNDES. O menor valor real foi registrado em 1996: R$ 15 bilhões, que representaram apenas 18,5% das liberações de dez anos antes.
Contraditoriamente, o Produto Interno Bruto (PIB) do setor agrícola cresceu, nas duas últimas décadas, 3,6% ao ano, alguns degraus acima do crescimento econômico total, que ficou de apenas 2,1% ao ano. A explicação, apontam os técnicos André Sant?Anna e Francisco Marcelo Ferreira, é basicamente a mudança na estrutura do crédito, que deixou de ser um subsídio usado por ruralistas para especular com terras e no mercado financeiro, para se destinar de fato à produção agrícola.
"Antes, de certa maneira, a produção era secundária", afirma Ferreira. O estudo "Crédito rural: da especulação à produção", está publicado na última edição do boletim "Visão do desenvolvimento", elaborado pelo banco. Faz um detalhado histórico sobre a evolução do crédito e revela a inacreditável dimensão que chegou a ter o subsídio estatal na década de 80, quanto a taxa de juros real nos empréstimos rurais alcançou o patamar negativo de 34,6% ao ano.
O Sistema Nacional de Crédito Rural, instituído em 1965, realizava empréstimos a taxas de juros nominais fixas, por meio principalmente do Banco do Brasil, com emissão de moeda pela chamada Conta Movimento. A partir dos anos 80, com a hiperinflação, o descontrole foi total. "Era um contexto de aceleração da inflação, a assunção de créditos a taxas de juros fixas baixas representava, na prática, um forte subsídio implícito aos tomadores. Estes, na prática, podiam aplicar recursos do crédito rural diretamente no mercado financeiro a taxas muito mais elevadas, realizando substanciais ganhos financeiros", mostra o estudo.
A demanda por empréstimos rurais não condizia com a expansão efetiva da agropecuária. A partir dos anos 90, quando o crédito passou a ser vinculado à produção, houve retomada do crescimento agropecuário.
Ferreira ressalta que não apenas a estrutura de crédito mudou, mas também o próprio comportamento dos ruralistas. "Temos hoje uma nova safra de empresários agrícolas. O padrão é muito diferente. Passaram a ser realmente empresários", diz o economista.
A Conta Movimento foi extinta em 1986 e, para fazer frente à redução de recursos do Tesouro Nacional, foi criada a poupança rural e, três anos mais tarde, fundos específicos para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. O BNDES passou a ser também um agente financiador do setor agropecuário e, na última década vem aumentando sua participação no crédito rural. De acordo com dados do BC, a participação do banco de fomento no setor passou de 17% do total financiado para investimentos agrícolas em 1997 para 58% em 2004.
A participação do setor agropecuário nos desembolsos no BNDES também cresceu, passando de 7% em 1999 para 17% em 2004. Com a crise do setor em 2005, caiu para 10% e, segundo Sant?Anna, no primeiro semestre do ano ficou também em 10%. "Não há indicativo de uma retomada forte este ano. Mas, de qualquer forma, o País está se firmando como um fabricante de máquinas e implementos agrícolas com alta competitividade", diz o economista.