Vôlei: Musa, o pecado de ser bonita

No que depender do técnico José Roberto Guimarães, uma instituição do vôlei feminino brasileiro vai deixar de existir em sua gestão no comando da seleção: as musas. Qualquer comentário que possa levar o treinador a pensar no tema, ainda que muito indiretamente, o aborrece a ponto de deixar de lado seu famoso estilo contido, como aconteceu recentemente na Copa dos Campeões do Japão. "Essa coisa de escrever sobre uma pessoa só porque ela é bonita é deplorável", diz com indignação o treinador, que atribui à imprensa a criação das musas. Pior, segundo ele, são os danos que elas podem causar. "Esse negócio de musa é capaz de arrebentar com um time."

Segundo Zé Roberto, o assunto beleza é delicado quando se trabalha com mulheres e pode criar pontos de tensão entre as atletas quando uma recebe mais atenção do que as outras. "Só atrapalha. No mundo feminino, esse tipo de coisa mexe com a vaidade e provoca ciúme." O efeito colateral, segundo ele, é que as jogadoras deixam de se concentrar no trabalho e, na seqüência, passam a apresentar queda de rendimento. "Minha preocupação é exatamente essa."

Assim, se para o poeta e compositor Vinícius de Moraes "beleza é fundamental", para o técnico da seleção brasileira feminina de vôlei pode causar problemas na trajetória de uma equipe que lutará pela conquista de um inédito Campeonato Mundial, em 2006, no Japão, e dos Jogos Olímpicos de Pequim, em 2008. "Não interessa quem tem mídia, quem fica bem na foto ou quem é bonitinha. Só interessa quem joga", decreta Zé Roberto.

Uma das maiores líderes que o vôlei feminino já produziu Ana Moser concorda com o técnico da seleção quando diz que as musas são criação da imprensa. E vai além: disse que elas contribuem bem menos do que se imagina para a popularização do vôlei. "A musa não divulga o esporte, divulga o atleta."

No entanto, a ex-jogadora da seleção feminina afirma que a existência de musas não é o único fator que pode trazer desarmonia ao grupo. "Existem muitas facetas: o ciúme pode aparecer se a jogadora é a mais premiada, é a que tem melhores contratos, é a que é musa ou a que é amiga do treinador."

E faz uma comparação, lembrando a desunião que tomou conta da seleção masculina de vôlei depois da conquista da medalha de ouro na Olimpíada de Barcelona, em 1992, provocada, principalmente, pelas diferenças nos valores dos contratos de patrocínio pessoal. "Os problemas aconteceram quando entrou dinheiro no meio."

Bicho esquisito

Ainda sem conhecer a opinião radical de Zé Roberto, as jogadoras da seleção falaram do assunto musa. Ironicamente, a atleta cuja opinião mais se aproxima da do técnico é a ponta Mari, do Finasa/Osasco, constantemente apontada como musa. Para a jogadora, alguns detalhes, incluindo o fato de uma atleta chamar mais atenção por causa da beleza, podem afetar a harmonia de um grupo. "Mulher é um bicho esquisito. Às vezes, uma tem inveja da outra pelos motivos mais estranhos", diz a jogadora.

Mari, no entanto, ressalta que a discórdia nem sempre é alimentada pelo fato de alguém ser mais privilegiada nos dotes físicos. "Às vezes, a musa nem sempre é a mais bonita, mas a mais simpática. De qualquer forma, como a gente olha uma para a cara da outra todos os dias, nem repara nisso", diz a jogadora. Em contraste com a atenção que costuma receber da mídia, Mari admite que não gosta muito de conceder entrevistas.

Para outras jogadoras apontadas como musas, caso das pontas Paula Pequeno, também do Osasco, e Jaqueline, do Rexona-Ades, do Rio, o rótulo é dispensável. Jaqueline diz que só começou a ouvir comentários a respeito de sua beleza na Copa dos Campeões. "Os comentários surgiram desde a primeira vez em que joguei na Ásia. Mas isso de ser linda ou não interfere em absolutamente nada", garante. Segundo ela, a dolorosa experiência de passar por duas contusões sérias no início da carreira fez com que entendesse que a beleza não garante sobrevivência no vôlei. "Entro em quadra para mostrar o meu vôlei."

Paula também está consciente de que é preciso ter competência para garantir um lugar na seleção. A jogadora está grávida e sabe que só se mostrar boas condições físicas no fim do próximo ano terá chance de ser convocada para o Campeonato Mundial. "Estou me cuidando bastante para que eu possa recuperar a forma a tempo de voltar à seleção."

Outras atletas do time de Zé Roberto dão de ombros para o rótulo de musa. "Para mim não muda nada, mas isso vai da cabeça de cada uma", diz a meio-de-rede Valeskinha. Segundo ela no vôlei só sobrevive quem vence. "Se a jogadora estiver muito mal, ela sabe que vai sair do time."

A oposto Sheilla, eleita a melhor jogadora da Copa dos Campeões, engrossa o coro. Para ela, musa é um rótulo que fica do lado de fora da quadra. Numa equipe, o que vale é o potencial uma vez que no esporte os resultados falam mais alto. "Não acho que essa história de musa realmente interfira em um grupo. No fim das contas, se uma jogadora estiver mal, ela vai acabar saindo do time. Musa não ganha jogo."

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