Vitrines de Amsterdã

Quando falam das vitrines de Amsterdã, logo pensamos na exibição pública do que a civilização ocidental considera o pecado despudorado exposto aos olhos curiosos dos expectantes. Esquecem-se que na bela capital da Holanda até mesmo a prostituição legalizada, mostrada como espetáculo ou mercadoria, ganha dignidade, porque às claras. E em vitrines da cidade holandesa também estão obras -, primas de arte popular ou erudita, mimos cobiçados da sabedoria popular, o folclore, como os coloridos tamancos de madeira que simbolizam uma civilização milenar que preza seus costumes e tradições e o bem inestimável da liberdade numa democracia coroada.

O que se esconde, mesmo que virtude, perde a dignidade. Quanto mais quando pecado.

A Câmara dos Deputados acaba de aprovar, em primeira e vestibular votação, por uma maioria significativa de 383 votos contra 4 abstenções, o fim do voto secreto. Começam a cair as cortinas que encobrem os atos dos representantes do povo nas votações em plenário para dar lugar à exibição transparente do que fazem e decidem os nossos representantes. Trata-se de uma vitória incompleta, pendente de mais uma deliberação da Câmara e duas do Senado, tempo suficiente para que se levantem pudores oportunistas e embacem a transparência que, afinal, os nossos representantes começaram a admitir. Mas uma campanha sem trégua da sociedade pode obrigar o fim do voto secreto, que esconde escândalos e roubalheiras como a absolvição dos mensaleiros ou o perdão aos mafiosos sanguessugas. E obrigue a revelar-se se obedecem ou contrariam as nossas ordens expressas no simples, mas intrinsecamente poderoso instrumento do voto democrático. Não há vergonha em ser verdadeiro. Vergonhoso é o samba da pizza em pleno plenário do Congresso, para comemorar a indulgência dada a parlamentares que, às escondidas, roubaram o povo, numa expressão de solidariedade que é aberta traição aos outorgantes de poderes para a produção da verdade e do bem. É preferível uma legal vitrine de prostituição de Amsterdã que o espetáculo escondido das negociatas, vedado ao conhecimento de quem tem o direito inalienável de fiscalizá-lo, aplaudi-lo ou condená-lo.

Se a votação quase unânime desta semana prosperar, vai acabar o corporativismo que protege as máfias dos mensalões, dos sanguessugas e tantas outras que porfiam para raspar, até o fundo do tacho, o que ainda resta no Congresso de ação em favor da nação que lhes paga os salários e lhes comete trabalho decente e não o abuso do crime político organizado. A decisão levará os deputados e senadores a terem de votar às claras as cassações dos mandatos que a Comissão de Ética recomenda para nada menos de 72 deputados e senadores. Os inocentes, ou os que cometem pecados que a sociedade aceita e tolera, serão absolvidos e gozarão dessa honra publicamente, recebendo justos aplausos. Os que merecem condenação, sujeitar-se-ão a uma expulsão, que higienizará o Congresso Nacional.

Há os que ainda insistem no voto secreto. E invocam razões históricas, pois as votações em segredo surgiram com o nobre propósito de proteger os deputados e senadores das pressões dos poderosos coroados ou ditadores armados, que podiam usar de pressões escusas para fazer valer a sua vontade contra o interesse do povo.

Mas vivemos numa democracia e o poder que brandiam os ditadores agora é do povo e se manifesta pelo voto, uma decisão que precisa ser fortalecida e obedecida porque é a palavra final de quem de fato deve mandar. Um deputado ou senador deve obediência exclusivamente ao povo.

Bem-vindo o voto aberto, mesmo que seja para revelar as prostitutas de Amsterdã.

Grupos de WhatsApp da Tribuna
Receba Notícias no seu WhatsApp!
Receba as notícias do seu bairro e do seu time pelo WhatsApp.
Participe dos Grupos da Tribuna
Voltar ao topo