É do cotidiano de todo operador do Direito Penal e ainda de seus estagiários, a necessidade de freqüentar Delegacias de Polícia, Promotoria de Inquéritos Policiais e a Promotoria de Investigação Criminal, instituições que são responsáveis, cada qual em determinado momento, pelos inquéritos policiais e seu andamento. Poucos têm a noção da dificuldade encontrada pelos advogados e seus auxiliares em ter acesso a esta peça informativa, que ajuda na coleta e obtenção de dados para que se possa, com fundamentos legais, denunciar o indiciado.
O Estatuto da Ordem dos Advogados, criado para estabelecer direitos, obrigações, regras e garantias aos advogados do Brasil, em seu art. 7.º, inciso XIV já discorre a respeito: São direitos do advogado; examinar em qualquer repartição policial, mesmo sem procuração, autos de flagrante e inquérito, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos. Tal dispositivo é corroborado pela Carta Magna da nossa República em seu art.133: O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.
Atualmente não se faz prevalecer estes dispositivos; a realidade é outra. Temos uma realidade fria, individualista, sem o mínimo de gentileza ou até mesmo compreensão e envolvida em animosidade, causadora de receio naqueles que dependem dos serviços alheios. Encaminhar-se até um distrito policial, ou a uma Promotoria e obter o desejado, uma mera vista e acompanhamento dos fatos, ou extração de fotocópias, vem se tornando uma tarefa árdua para quem vive o cotidiano criminalista. Logo na abordagem já não há o mínimo de boa vontade daqueles que atendem. Se não há boa vontade, ao menos que haja esforço. Imaginem o caos em que viveríamos se cada um que tivesse seus problemas resolvesse descontar naquele que de alguma maneira necessita de seu serviço. Invoca-se, portanto, a recíproca, recíproca esta que seria geradora de um bem estar comum e de poucos atritos envolvendo a mesma camada da sociedade, aquela que está voltada apenas em fazer justiça, defendendo os interesses da população e que ultimamente vem sendo banalizada.
Desta forma, vemos um sistema jurídico falho. Cabe aqui uma ressalva àqueles que mais interesse tem nesta questão: os próprios advogados. Será que eles próprios não têm uma parcela de culpa pela situação estar do jeito que se encontra atualmente? Há receio em instaurar procedimentos administrativos contra aqueles que descumprem com a ordem, seja na Corregedoria da Polícia Civil ou na Corregedoria do Ministério Público. A reforma desta situação caótica, deve partir da camada dos diretamente interessados, em especial os advogados da área, pois embora saibamos da represália existente em determinadas atitudes, juntamente do receio, seria um equívoco a conivência com os atos em questão.
O grau de desordem, vem a relevo com relação aos próprios acadêmicos de direito, que exercem suas atividades de estagiário com o intuito da aprendizagem, mas desde cedo já se deparam com situações constrangedoras, decepcionando-se com tamanho transtorno, tendo portanto, um início desanimador com relação ao seu futuro profissional.
Pode parecer conflito ou rebeldia, mas o que gostaria de expressar aqui é apenas o sentimento de repúdio pela desobediência a uma lei e a frustração com as atitudes que vêm a prejudicar qualquer trabalho. A questão é simples de ser analisada, pois não há motivos para o descumprimento de determinada ordem legal se não por rivalidade ou insatisfação, porém incabível aos profissionais da área de suportar tamanho desaforo. O que as pessoas que impedem os advogados de obter vista ou cópia dos autos de inquérito policial esquecem é que ainda a própria lei expressa o seguinte: Constitui abuso de autoridade qualquer atentado: j) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional. (Art.3.º da Lei n.º 4.898/65)
Poucos são os casos em que advogados desafiam esta proibição, a mais recente e que serve de incentivo aos demais, inclusive como precedente, foi uma decisão do Tribunal de Justiça do Paraná, que concedeu mandado de segurança, impetrado pelo advogado criminalista Roberto Brzezinski, permitindo vista ao advogado, de inquérito policial que tramita perante a Promotoria de Investigação Criminal, no qual o mesmo é procurador da causa e mesmo assim era impedido de ter acesso.
A hermenêutica nos permite analisar friamente que o advogado, com o dever de obter justiça, de maneira nenhuma, obviamente prevalecendo ? se da ética acima de tudo, visa o desemaranhamento ou difusão do instrumento investigatório, ou seja, sua presença nas repartições públicas é de cunho objetivo e significativo no que tange principalmente a celeridade. É notório ainda, o fato de que o sistema policial brasileiro está falido, com situações precárias. Contudo, tem-se que a rapidez nas investigações criminais não é das mais presentes, mas isto não é sinônimo de abuso de autoridade e impedimento para as funções do advogado.
A verdade é que algo que deveria ser de direito do advogado teve que passar por aprovação do Supremo Tribunal Federal. A luz no fim do túnel surge. Em decisão recente a Suprema Corte deferiu o Habeas Corpus para que aos advogados constituídos pelo paciente se faculte a consulta aos autos do inquérito policial, antes da data designada para a inquirição de seu cliente. In verbis:
"…é corolário e instrumento a prerrogativa do advogado de acesso aos autos respectivos, explicitamente outorgada pelo Estatuto da Advocacia (L. 8906/94, art. 7.º, XIV), da qual – ao contrário do que previu em hipóteses assemelhadas – não se excluíram os inquéritos que correm em sigilo: a irrestrita amplitude do preceito legal resolve em favor da prerrogativa do defensor o eventual conflito dela com os interesses do sigilo das investigações, de modo a fazer impertinente o apelo ao princípio da proporcionalidade. 3. A oponibilidade ao defensor constituído esvaziaria uma garantia constitucional do indiciado (CF, art. 5.º, LXIII), que lhe assegura, quando preso, e pelo menos lhe faculta, quando solto, a assistência técnica do advogado, que este não lhe poderá prestar se lhe é sonegado o acesso aos autos do inquérito sobre o objeto do qual haja o investigado de prestar declarações." (HC – HC 82354 / PR; Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE)
Criticar essas atitudes não é apenas uma maneira de expressar insatisfação. É também sinal de esperança, esperança que como dizia o saudoso Padre Antonio Vieira, "é a mais doce companheira da alma", e está ainda depositada nestes que hoje são criticados por suas omissões e por que não, atitudes incorretas. Um dia cada profissional cumprirá devidamente aquilo que exige a lei. Sem generalizar, pois ainda dentro deste mundo incorreto há quem siga os moldes do ordenamento e principalmente da colaboração, palavra essencial para que tenhamos cada vez mais um desenvolvimento profissional em que um não queira aparecer mais que o outro ou impedir que as pessoas apenas realizem seu trabalho.
Gianfranco Petruzziello é acadêmico de Direito ? FIC. Estagiário do Escritório Professor René Dotti.