Os Estados Unidos decidiram despertar o governo Lula de seu imobilismo nas relações bilaterais. O gesto mais importante dessa iniciativa será dia 8, quando o próprio presidente George W. Bush desembarca em São Paulo para assinar, com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, um acordo de cooperação na área de biocombustíveis que será o embrião de uma parceria estratégica no setor da energia renovável.
O resultado desse esforço ultrapassa o aspecto comercial. Deve exigir do Brasil a distensão da política externa concentrada nos países em desenvolvimento – linha mestra do chanceler Celso Amorim – e a diversificação da agenda com Washington.
A habilidade dos EUA em enlaçar o Brasil alcançou o próprio Lula ao priorizar os biocombustíveis, tema de seu maior interesse. Nos últimos anos, o presidente falou dos benefícios do biodiesel a todo chefe de Estado que o visitou e em todas as suas viagens, enquanto seus ministros tentavam acordos com o Japão e a Coréia do Sul.
Na avaliação de uma fonte graduada do Itamaraty, essa parceria revela o interesse mútuo na cooperação no setor e na mudança da matriz energética mundial. Reforça ainda a avaliação de que os EUA não querem mais concentrar alianças apenas com a Europa e buscam aprofundar as relações com o Brasil.
Para a fonte, a cooperação em biocombustíveis não significará posicionamento do Brasil contra a Venezuela de Hugo Chávez. O governo Lula tende a manter neutralidade: priorizará tanto o acordo com Bush como o acerto sobre gás natural e petróleo com Chávez e não se envolverá nos conflitos entre ambos. Mas no Itamaraty outras fontes identificam na visita de Bush a Brasil, Uruguai, Colômbia, Guatemala e México um claro sinal de sua disposição de criar uma frente anti-Chávez na América Latina.
Envolvido na visita de Bush, o presidente do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Comerciais, Marcos Jank, prevê a assinatura de um acordo de pesquisa conjunta sobre biocombustíveis, cooperação para criar padrões internacionais para o etanol e sua conversão em commodity e parceria entre entidades públicas e privadas dos dois países no desenvolvimento do setor. Nas poucas horas que passará no Brasil, a caminho de Montevidéu, Bush pode visitar uma usina de álcool.
Jank acha que a incógnita da visita é o debate da abertura do mercado mundial de biocombustíveis. Os EUA não querem tocar nisso, devido a proteção que dão ao produto – a tarifa de importação americana é de US$ 0,54 por galão e é um dos pilares do desenvolvimento da atividade no país. Para analistas, se o Brasil insistir na questão, pode matar a parceria.
Jank discorda. ?O mercado internacional de petróleo é muito liberalizado. O de combustíveis renováveis, ao contrário, é amplamente protegido. Trata-se de uma contradição que Brasil e EUA terão de encarar se quiserem construir um mercado mundial de biocombustíveis.