Violência e juventude no Brasil

Como já foi abordado em outros artigos, o Brasil ocupa a sexta posição no ranking de assassinatos, seja de sua população em geral ou de sua população jovem (15 a 24 anos). Em ambos os casos, ele está atrás apenas dos seguintes países: El Salvador, Ilhas Virgens (EUA), Venezuela, Colômbia e Guatemala, todos estes países das Américas, e com características socioeconômicas distintas.

Vejamos alguns números da nossa violência juvenil, compilados no Mapa da Violência 2011: os Jovens no Brasil. O estudo revela, entre outras coisas, que há um novo padrão da mortalidade juvenil no Brasil, e ele estaria associado à substituição das mortes decorrentes de doenças pelas mortes denominadas violentas (homicídios, acidentes de trânsito e suicídios). Analisaremos aqui, apenas as mortes decorrentes de homicídios.

Se no Brasil a taxa de homicídios por 100 mil habitantes aumentou em 1,9% entre 1998 a 2008, por outro lado, a taxa de homicídios entre os jovens (15 a 24 anos) aumentou 19,9% no mesmo período. Ou seja, ela foi 10 vezes superior.

Gráfico 1 – Distribuição da taxa de homicídios por 100 mil habitantes, população geral e população jovem (15-24 anos), 1998-2008

Fonte: Mapa da Violência 2011: os Jovens do Brasil

Como bem aponta o estudo, “se a magnitude de homicídios correspondentes ao conjunto da população já pode ser considerada muito elevada, a relativa ao grupo jovem adquire caráter de epidemia.” Isto porque, em 2008, os jovens representavam 34,6% do total da população, mas os homicídios neste grupo etário correspondem a 36,6% do total de homicídios na população, “indicando que a vitimização juvenil alcança proporções muito sérias”.[1]

Gráfico 2 – Distribuição da taxa de homicídios por 100 mil habitantes, população jovem (15-24 anos), 1998-2008.

Fonte: Mapa da Violência 2011: os Jovens do Brasil

Analisados por regiões, observarmos que a região Nordeste passa de penúltimo lugar em 1998, com 33,3 homicídios de jovens por 100 mil habitantes, ao primeiro lugar no ano de 2008, registrando uma taxa de 63,8/100 mil. Apesar do estado de Pernambuco ter registrado uma queda, a taxa de homicídios de jovens ali ainda é muito alta (106,1/100 mil), sendo superada apenas pelo estado de Alagoas que registrou, em 2008, a taxa mais alta de todo o país 125,3/100 mil.

O crescimento dos homicídios entre jovens no estado de Alagoas foi superior a 300% no período de 1998 a 2008[2], que é mais de três vezes superior ao crescimento registrado na região Nordeste (91,6%).

Na região Norte, destaca-se o estado do Pará, que passa da segunda menor taxa de homicídios (24,1/100 mil) entre os jovens em 1998, para a segunda maior taxa (71,3/100 mil) em 2008. Por sua vez, Roraima, que era o estado que apresentava a maior taxa de homicídios juvenis em 1998 (82,5/100 mil), registrou, em 2008, a menor taxa (18,1/100 mil), o que equivale a uma redução de 78% nos homicídios da população jovem.

Chama à atenção também o surpreendente aumento das taxas de homicídios entre os jovens registrados na região Sul do país. Foi o maior aumento verificado nas regiões (106,1%) no período analisado. Apesar de não crescer muito no ranking nacional – a região passa do último lugar (24,2/100 mil), em 1998, ao penúltimo (50/100 mil) em 2008 -, as chances dos jovens daquela região serem vítimas de homicídios mais do que duplicaram. Destacam-se os aumentos verificados nos estados do Paraná (157,3%) e em Santa Catarina (124,6%), que, no ano de 2008, registrou o segundo melhor IDH no Brasil.

Na região Centro-Oeste houve a menor variação de crescimento (42,1%) no período de 1998 a 2008. Merece aqui, especial destaque, o estado de Goiás, que passou de 19,6 homicídios de jovens por 100 mil habitantes para 57,7/100 mil, registrando um aumento de 194%. Com o menor crescimento no período (2,2%), o Distrito Federal c,ontinua liderando o ranking da região, com 77,2 homicídios de jovens por 100 mil habitantes em 2008.

No Sudeste, por sua vez, os números, apesar de ainda altos, são mais alentadores. Esta foi a única das cinco regiões de país que verificou uma redução na taxa de homicídios. Da região mais violenta do país, em 1998, com uma taxa de 69,4 homicídios de jovens/100 mil habitantes, à região menos violenta em 2008, com 43,5/100 mil, número inferior à média nacional. Os números dessa região poderiam ter sido melhores não fosse o aumento de 209,6% registrado no estado de Minas Gerais. Em 1998, Minas Gerais era o quarto estado brasileiro com menor taxa de homicídios entre os jovens, caindo cinco posições em 2008[3].

É importante registrar também, que a despeito de toda a percepção popular sobre violência, é no estado de Espírito Santo – e não no Rio de Janeiro – que se encontram as maiores taxas de homicídios entre os jovens, com 120/100 mil registrados em 2008.

Gráfico 3 – Comparativo dos homicídios na população geral e na população jovem, 1998-2008

Fonte: Mapa da Violência 2011: os Jovens do Brasil

Ao analisar os números, representados no gráfico acima, podemos concluir que a participação das regiões nos homicídios na população jovem sofreu mudanças nesses últimos 10 anos, da mesma forma que os homicídios no total da população.

Por enquanto, os números revelam-nos um aumento de mortes entre os jovens e uma nova distribuição espacial destas mortes. É importante ressaltar que, para compreender o fenômeno, não basta apenas analisar os números. Isto porque cada morte tem seu conjunto de determinantes e causas, “irredutíveis em sua diversidade e compreensíveis só a partir de seu contexto específico”.[4]

Desta forma, cabe-nos perguntar: o que explicaria essas mudanças? Por que algumas regiões, relativamente seguras para a juventude, tornaram-se mais inseguras?  Sabemos que a maior parte das mortes é causada por armas de fogo. Mas como os jovens têm acesso a elas?

O que explicaria o aumento de mortes de jovens em relação ao conjunto da população? Elas estariam associadas à participação desses jovens em organizações criminosas, seriam causadas por desavenças pessoais ou por uma maior vitimização da juventude pela polícia?

Tomemos, agora, como exemplo o caso dos dois países centro-americanos – El Salvador e Guatemala – que nos superam na violência juvenil para levantarmos algumas questões.

Diversos estudos apontam que a violência juvenil na Guatemala e em El Salvador estaria fortemente associada à atuação das maras ou pandillas, que são grupos compostos por jovens, em variadas idades, que surgem como alternativas de socialização e de pertencimento desses jovens na estrutura social de seus países devastados pelas sangrentas guerras civis[5].

De acordo com Nuñez (2008), “as maras tem se tornado uma expressão de organização social juvenil que impacta de forma contundente a cultura e as políticas centro-americanas (…). As maras são a expressão de uma marginalidade histórica e manifestam de forma espetacular a exclusão social que sofrem os jovens da região”.[6] O fortalecimento e acentuação da violência destes grupos estariam associados ao aumento das desigualdades e da exclusão social nestes países.

“As maras ou pandillas são agrupamentos relativamente estáveis, caracterizados pela utilização dos espaços públicos urbanos, gerando padrões de identidade e articulando a economia e a vida cotidiana dos seus membros, e que, sem qualquer pretensão de institucionalidade, exibem um contra-poder sustentado por uma violência inicialmente desordenada.”[7], na qual, “a maioria das vítimas surge do interior das próprias maras e pandillas, como ilustram as autênticas guerras que se dão entre os membros de maras rivais em prisões”.[8]

A mortalidade juvenil por homicídios em El Salvador e na Guatemala teria, portanto, como pri,ncipal causa a afiliação destes jovens a estes grupos, cujo acesso a armas de fogo e a disputa por território (físico e simbólico) resultariam em confronto entre seus membros.

As experiências vivenciadas pela juventude nestes países poderiam oferecer pistas para o problema da violência juvenil no Brasil?

Seriam os nossos jovens, vítimas de homicídios, filiados a grupos como estes? Estariam eles se auto-exterminando numa disputa por espaço e poder? Qual seria a principal causa dos homicídios entre os nossos jovens?

Os números nos alertam para a necessidade de desenvolver políticas públicas direcionadas a esta faixa da população, sobretudo de prevenção da violência e do crime, mas também de acesso à educação, cultura, lazer, trabalho e renda. Precisamos oferecer oportunidades e expectativas à nossa juventude. “Ao dar a todos os jovens as ferramentas de que precisam para melhorar suas próprias condições de vida, e ao envolvê-los em esforços para melhorar suas comunidades, estamos investindo na força de suas sociedades”.[9]

No entanto, para poder desenhar estas políticas é preciso ir mais além dos números, é preciso investigar o contexto desses homicídios, compreendendo a sua complexidade no conjunto de fatores que os envolvem, senão continuaremos perdendo nossos jovens para a violência.

Como muito bem mencionou o relatório da UNICEF, “no Brasil, as reduções na taxa de mortalidade infantil entre 1998 e 2008 significam que foi possível preservar a vida de mais de 26 mil crianças; no entanto, no mesmo período, 81 mil adolescentes brasileiros, entre 15 e 19 anos de idade, foram assassinados. Com certeza, não queremos salvar crianças em sua primeira década de vida apenas para perdê-las na década seguinte”. (Unicef 2011).

Notas:

[1] Mapa da Violência 2011: os jovens do Brasil, p.25.

[2] É importante ressaltar que Alagoas é o estado mais violento do país, em relação à população geral, com uma taxa de homicídios de 60,3/100 mil, no ano de 2008. Em 2010 essa taxa chegou a 71,3/100 mil habitantes.

[3] Vale ressaltar que entre os homicídios na população em geral o estado manteve a mesma posição nos dois anos (23º lugar).

[4] Mapa da Violência 2011: os jovens do Brasil, p.11

[5] Abramovay, M. coord. Gangues, gênero e juventudes. “Donas de rocha e sujeitos cabulosos. Brasília, Secretaria de Direitos Humanos, 2010.

Carranza, Marlon. 2005. “Detenção ou morte: aonde os garotos “pandilleros” de El Salvador estão indo”. In: Nem Guerra nem Paz. Comparações internacionais de crianças e jovens em violência armada organizada (Relatório de pesquisa). COAV- Crianças e jovens em Violência Armada Organizada.

Disponível em: http://www.coav.org.br/publique/media/elsalvadorport.pdf

[6] Citado em Abramovay, M. coord. Gangues, gênero e juventudes. “Donas de rocha e sujeitos cabulosos. Brasília, Secretaria de Direitos Humanos, 2010. p.65-66.

Disponível em: http://issuu.com/radiomargarida/docs/gangues-genero-e-juventudes

[7] Bolaños, José Alberto Rodríguez & León , Jorge Sanabria. coords. 2007. Maras y pandillas, comunidad y policía en Centroamérica: Hallazgos de un estudio integral. Guatemala, Demoscopía S.A.

Disponível em http://www.ocavi.com/docs_files/file_539.pdf

[8] http://vientodelsur.wordpress.com/2008/01/23/pandillas-y-maras-en-centroamerica-protagonistas-y-chivos-expiatorios/

[9] Unicef. A situação mundial da infância 2011: adolescência uma fase de oportunidades. Disponível em: www.unicef.org/sowc2011.

Luiz Flávio Gomes é Jurista e cientista criminal. Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri e Mestre em Direito Penal pe,la USP. Presidente da Rede LFG. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Blog: www.blogdolfg.com.br. Twitter: www.twitter.com/ProfessorLFG. Encontre-me no facebook.

Adriana Loche é Socióloga. Doutoranda em Sociologia pela Universidade de São Paulo e Pesquisadora do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes.

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