Violação das prerrogativas do advogado I

Tendo em vista alguns recentes e lamentáveis incidentes envolvendo autoridades paranaenses, em detrimento das prerrogativas do Advogado, direitos estes consagrados no Estatuto da OAB, achamos oportuno o momento para divulgarmos conteúdo de acórdão do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, onde ficou assentado que qualquer autoridade pode ser processada por violar as prerrogativas do advogado.

Veja-se o teor da decisão:

(Ementa)

?A Lei 4.898/65 não pode ser tida como especial em relação aos tipos do Código Penal de difamação e injúria (arts. 139 e 140), porquanto o seu texto não recepcionou todos os casos de agressão à honra das pessoas.

O Juiz, na condução da causa, pode praticar tanto abuso de autoridade quanto crime contra a honra, já que no ambiente processual transitam vários sujeitos (partes, testemunhas, advogados, serventuários) e a conduta pode atingi-los de forma intencional diversa, ou seja, a objetividade jurídica da ação pode ser enquadrada em mais de um tipo penal.

Recurso conhecido em parte e, nessa parte, provido para, afastada a ilegitimidade do querelante-recorrente, determinar o recebimento da queixa-crime pela difamação e seu julgamento na forma que bem entender o juízo competente.?

(Voto)

?Com o intuito de enaltecer a questão aqui proposta, trago trechos da queixa-crime rejeitada pelo Tribunal a quo:

Em vinte e dois do andante, realizou-se audiência de instrução criminal na ação penal pública n.º 17.045-5/00 movida contra Dorivânio Crispim do Espírito Santo, audiência esta presidida pelo Querelado e da qual participou o Querelante, na qualidade de assistente judiciário do Núcleo de Prática Jurídica da AEUDF, tudo consoante cópias anexa.

A acusação contra o réu Dorivânio é de uso de documento público falso, que teria sido praticado com a utilização de xerocópia da Carteira Nacional de Habilitação (CNH), autenticada em cartório.

Ao ser ouvida a primeira testemunha, Celma Pereira dos Santos, e concedendo-se ao Querelante o direito de perguntar, este questionou-lhe, através do MM. Juiz, se a orientação do comando da PMDF é para permitir que os condutores de veículos automotores trafeguem portando apenas cópia autenticada da CNH.

O Querelado indeferiu a pergunta ao fundamento de ser impertinente, pois o que importava ali era a falsificação da CNH e não se a PM considerava válida a cópia autenticada.

Neste ponto, o Querelante contra-argumentou que a pergunta tinha toda pertinência, pois se ficasse esclarecido que a PM e o Detran não aceitavam a cópia da CNH, ainda que autenticada, então a conduta descrita na denúncia deixaria de tipificar crime, pela impossibilidade de lesão. Acrescentou, ademais, que o núcleo da denúncia é a forma verbal fez uso.

A insistência do Querelante em formular a questão ou que fosse consignada no termo, para posterior recurso da parte, foi o bastante para que o Querelado explodisse em ira inusitada, afirmando alto e bom som que ?não estava ali para ouvir perguntas idiotas e que indeferiria todas as perguntas que, como aquela, se mostrassem igualmente idiotas?.

Diante do inusitado destempero do Querelado, o Querelante rogou-lhe que se compusesse, tratando-o com o mesmo respeito com que era tratado, ao que redargüiu que quem era o advogado para falar-lhe em compor-se.

O Querelante respondeu-lhe, então, que contava dezessete anos de prática do Direito, o que lhe garantia certa experiência no aquilatar a adequação das perguntas, ao que o Querelado, furibundo, redargüiu que o advogado não parecia que tinha essa experiência, pois se comportava como um iniciante, chegando até a questionar se o Querelante era formado. Para completar, ainda saiu com essa: se minha vara está zerada isso se deve exatamente ao fato de não admitir perguntas idiotas e mais, se o advogado trabalhasse tanto quanto eu trabalho, não estaria aqui a formular perguntas idiotas, tomando inutilmente o meu tempo.

O Querelante tentou ainda contemporizar, argumentando que se a pergunta tivesse sido feita, ou apenas indeferida e consignada, não se perderia tempo com aquele bate-boca. Acrescentou, também, que era importante observar que a prova a ser obtida se prestaria não apenas ao convencimento do julgador de primeiro grau, mas eventualmente também ao do segundo, dado o efeito devolutivo dos recursos.

Mais uma vez descontrolado e ameaçador, o querelado afirmou que não o queria mais advogando em sua vara, ao que o Querelante respondeu que ele não poderia impedir o seu exercício profissional ali ou em qualquer outro juízo, ao que o Querelado respondeu que era ele quem mandava ali e quem nomeava o Núcleo de Prática Jurídica da AEUDF para funcionar em sua vara e que ele iria dizer ao Dr. Asdrúbal Lima Júnior, diretor daquele núcleo para não mais permitir que o Querelante ali atuasse.

Findo o incidente desagradável e desnecessário, só imputável à empáfia, arbitrariedade e descontrole emocional do Querelado, note-se que ele fez consignar no termo de depoimento da primeira testemunha a pergunta formulada pelo Querelante, mas redigiu a questão como quis, daí ter-se tomado ininteligível, in verbis:

?Que foi perguntado pelo nobre defensor qual seria a interpretação que o comando da polícia militar daria sobre a apreensão de uma cópia autenticada de uma carteira de habilitação quanto, em razão da subjetividade da pergunta, que implica inclusive em espécie de julgamento pela testemunha, como também por ser impertinente a perquirição da verdade real objeto destes autos, foi indeferida.?

Em verdade, o Querelante jamais usou a expressão interpretação do comando da PMDF, mas, sim, qual a orientação do comando da PMDF a seus policiais sobre a apresentação pelo condutor de veículo de CNH em xerocópia autenticada por serventuário de cartório. O querelante preferiu, entretanto, não impugnar a esdrúxula redação judicial, para não reascender a ira do Querelado.

Quanto da audiência da testemunha seguinte, é de notar-se que o Querelante repetiu a mesma pergunta que ensejou todo o acesso de fúria do Querelado, mas este parece que só então, de modo retardado, compreendendo o alcance da indagação, formulou a pergunta ao policial, obtendo dele a afirmativa de que a cópia da carteira de habilitação devidamente autenticada pelo Detran competente é aceita na fiscalização de trânsito. Da terceira testemunha, ouviu ainda que examinando o documento nesta assentada, o depoente diz que para ele a falsificação é grosseira.

Essas respostas eram tudo o que o Querelante gostaria de ouvir em favor da defesa de seu constituinte, o que poderia ter sido obtido desde o primeiro depoimento, não fora a falta de compostura funcional do Querelado, que não honra a magistratura nem lhe eleva o prestígio com sua conduta dolosa, arbitrária, indigna e francamente ilegítima e ameaçadora.

Nota-se, todavia, que, ao término da malsinada audiência, tão infamemente presidida, o Querelado ainda arrematou publicando, com manifesto ar de deboche, que se fossem todas as perguntas formuladas daquele modo referindo-se às perguntas dirigidas á terceira testemunha, acerca de eventual crime de falsidade em documento público -, tudo teria sido mais fácil. Tenta por esse modo, como perceberam todos os presentes, inculcar que o incidente se deveria à incapacidade do Querelante deduzir suas questões, ignomínia que ele próprio cuidou de negar, tanto que a indigitada pergunta foi repetida para a segunda testemunha, obtendo-se resposta de grande valia para a defesa.

Importante observar que o Querelante, na audiência, se fazia acompanhar de quatro estagiários da AEUDF, os quais pretendiam assistir a uma audiência presidida por um juiz criminal, mas terminaram por assisti-la presidida por um Juiz criminoso.?

Quantos de nós advogados, ao lermos este relado, relembramos inúmeras passagens onde fomos tratados de forma, se não igual a esta, ao menos semelhante, cabendo aqui uma exaltação à conduta do causídico ofendido, por não intimidar diante de tamanha truculência, e em especial face ter proposto queixa-crime contra o juiz ofensor.

Na próxima semana colocaremos neste espaço a conclusão do E. STJ sobre estes fatos.

Jorge Vicente Silva é advogado, professor de pós-graduação da Fundação Getúlio Vargas, pós-graduado em Direito Processual Penal pela PUC/PR, autor de diversos livros publicados pela Editora Juruá, dentre eles, ?Tóxicos – Análise da nova lei?, ?Manual da Sentença Penal Condenatória?, e no prelo ?Crime Fiscal – Manual Prático?. E-mail: ?jorgevicentesilva@jorgevicentesilva.com.br; advocacia@jorgevicentesilva.com.br?, Site ?jorgevicentesilva.com.br?

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