O grid de largada do Mercosul deu-se no dia 26 de março de 1991, data da assinatura do Tratado de Assunção, com quatro pilotos: Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. É chegada a hora de fazer uma pausa para reflexão e, a partir de algumas questões, concluir se os pilotos da Fórmula Mercosul conseguirão chegar ao pódio.

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O Mercosul encontra-se atualmente na fase de união aduaneira, ainda por consolidar. Dito de outro modo: entre uma zona de comércio mais ou menos livre e uma união aduaneira ainda com muitas perfurações – uma integração à la fromage suisse, por assim dizer. Pretendem os quatro partners, após vencer esta etapa, rumar para o mercado comum, com as nuances da realidade política, económica e cultural da América do Sul.

Primeira questão: zona de comércio livre, união aduaneira ou mercado comum?

Há duas décadas, o Mercosul transita ora na pista da zona de comércio livre, ora na pista da união aduaneira, com o aceno intercalado da bandeira amarela e da bandeira verde. Quem sabe é chegado o momento de se erguer a bandeira preta com um círculo laranja, que alerta para problemas no motor, forçando-os a uma parada nos boxes, para discutirem novas estratégias. Talvez finalizar a corrida na união aduaneira, aproveitando a recente e tão festejada aprovação do Código Aduaneiro do Mercosul, que, por mais de quinze anos, bloqueou esse trajeto, com a bandeira vermelha sempre em riste; ou, quiçá, pelas crises recorrentes que assolam a comunidade internacional, com a bandeira  amarela a balançar vez por outra, fosse mais cauteloso optar pelo estágio mais primitivo – a zona de comércio livre. Ou ainda, num ato de ousadia, quem sabe erguer a bandeira verde e acelerar a fundo até a meta traçada no seu tratado institutivo: o mercado comum. Tudo depende das regras que a Fórmula Mercosul pretenda ditar e do traçado ainda por desenhar pelos “Lolô Cornelsen” da integração, esperemos que com a mesma genialidade e criatividade!

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Segunda questão: aprofundamento ou alargamento?

Parte da desaceleração dos motores dessa integração pode estar relacionada ao seu alargamento. Hoje, o Mercosul está composto por quatro sócios e meio –  a Venezuela está na iminência de ingressar como sócio pleno, faltando apenas a aprovação do Senado paraguaio, que insiste em mostrar-lhe a bandeira preta -, e cinco Estados associados, vinculados tão-somente ao livre comércio: a Colômbia, o Equador, o Peru, a Bolívia e o Chile.

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Portanto, a posição dos pilotos no grid de largada depende do seu status no bloco. Cinco correm na faixa da zona de comércio livre, que lhes permite ter uma política comercial independente e, por consequência, menos comprometimento com o bloco regional; quatro aceleram numa faixa mais complexa, atrelados a uma tarifa externa comum, por conta da exigência imposta pela união aduaneira, com deslizes, vez por outra, para a faixa do livre comércio; e um deles conduz mais lentamente, devido o aviso de pista escorregadia. Assim, a Fórmula Mercosul segue entre bandeiradas azuis, a pedir a passagem dos mais velozes aos retardatários; brancas, a informar que há carros lentos no circuito; e vermelha e amarela, a denunciar óleo na pista. 

Essa é também uma questão importante pelas assimetrias dos Estados menores que necessitam de atenção e ajuda financeira para galgar o patamar dos demais. E aqui, o ponto fulcral é o de como destinar verbas para investir nesses Estados, se os sócios considerados mais desenvolvidos enfrentam, internamente, ingentes problemas de base, como a pobreza, educação, e a desigualdade social.

Terceira questão: intergovernabilidade ou supranacionalidade?

O Mercosul hoje é um bloco intergovernamental. Não seguiu, para já, o Circuito de Estoril, mas há Estados com algum apelo à supranacionalidade, encontrando, porém, a resistência brasileira que, gigante pela própria natureza, não consegue encontrar uma fórmula razoável para pôr em prática o modelo supranacional, a exigir uma maioria ponderada, matemática extremamente complicada e criada para resolver a equação do velho continente, e que não pode ser transportada tão-somente pelo mimetismo. Há, portanto, mais uma etapa a ser vencida, devendo-se optar, aquando do seu traçado definitivo, por um trajeto com emoção ou sem emoção.

Quarta questão: integração regional ou continental?

Diz-se que o sonho de Simón Bolívar se transformou em realidade com a recente entrada em vigor do Tratado que instituiu a UNASUL, chamando para si os dois únicos pilotos que não competiam na Fórmula Mercosul: Guiana e Suriname. Pese embora a retórica dos Doze, ao firmarem o novo Tratado, que entrou em vigor no dia 11 de março último, as condições objetivas, a dominar o noticiário internacional quase diariamente, denunciam a incompatibilidade de alguns Estados nessa integração continental, com posições aparentemente irreconciliáveis. A nosso ver, a criação de um organismo dessa magnitude deveria servir como corolário da consolidação de um Mercosul a Dez, até para não haver o constrangimento do aceno, por parte da UNASUL, da bandeira branca e preta, que denuncia conduta antidesportiva, correndo o risco de ter que mostrar, em seguida, a bandeira preta, se o piloto não mudar a sua conduta.

Vinte corridas depois, é chegado o momento de uma parada mais prolongada, nos boxes da Fórmula Mercosul, para uma revisão nos motores, para a troca de pneus, e para motivar os pilotos a tener ganas de ganar. Mas independentemente destes pequenos acertos, consertos e concertos, tão necessários quando se pretende correr por circuitos desconhecidos, uma coisa é certa: já não há mais a possibilidade de se voltar ao grid de largada.

E, malgrado a constatação de que a integração sul-americana carece de um GPS para garantir, com a sua precisão milimétrica, um destino seguro e comum, é de se enaltecer toda a sua trajetória, com o grid de largada a Quatro, e que  hoje segue a Dez, num circuito ainda por concluir, mas que, sooner or later , assistirá ao aceno da bandeira quadriculada, seguida da cascata de champagne e do inconfundível tema da vitória, que nos traz sempre à memória o nosso eterno Ayrton Senna que, com o seu espírito de campeão, disse:

“A Fórmula 1 é um tempo perdido se não for para vencer.”

 Elizabeth Accioly é Professora do Centro de Excelência “Jean Monnet” da Faculdade de Direito de Lisboa. Professora da Faculdade de Direito da Universidade Lusíada de Lisboa. Professora do Curso de Mestrado da Faculdade de Direito de Curitiba (Unicuritiba). Advogada em Portugal.