Talvez seja um dos componentes mais presentes na cozinha de hoje. Passando, muitas vezes, até despercebido, tal a sutileza como entra na composição de pratos. Mas há pratos que simplesmente não seriam os mesmos se não fosse a presença do vinho branco. Que o digam os ?risoteiros? de plantão, pois não há receita que se conheça que não passe da fritura inicial do arroz pelo evaporar do vinho e dali em diante para os demais ingredientes, conforme a combinação escolhida. O processo espanhol da paella (por favor, diga sempre ?paêlhia?, nunca ?paêja?) também é o mesmo e o arroz só passa a ser cozido depois da evaporação do vinho.
Das bebidas alcoólicas que se dão bem na culinária, o vinho branco é, de todas, a mais utilizada. Serve para marinar carnes e aves, ajuda a amolecer a carne em ensopados de longo cozimento e ainda contribui com sabor. O vinho também participa em sopas e ensopados e refresca sobremesas de frutas. Retire-se o vinho das receitas e o ato de cozinhar fica mais triste.
Cozinhar com vinho, entretanto, não é tão simples. Em primeiro lugar, recomenda-se utilizar somente panelas inox ou esmaltadas (alumínio, ferro ou cobre reagem com o ácido do vinho e transmitem um sabor metálico). Não basta também apenas colocar qualquer vinho na panela e pronto. Se não houver tempo para o álcool do vinho evaporar, o resultado é um prato com gosto desagradável; se a quantidade for exagerada, uma receita pode ficar arruinada pela acidez excessiva; se a receita pedir vinho seco e na falta usar um doce ou um tinto na falta do branco, com certeza o resultado não será nada bom. Para remover o álcool do vinho não é necessário ferver, pois sua evaporação ocorre a 78ºC, bem abaixo dos 100ºC da água.
Quem pretende se aventurar com o vinho na cozinha ? se é que já não o faz -, que preste atenção em alguns preceitos. Na marinada, por exemplo, o álcool e a acidez do vinho agem mais depressa nos peixes e nas aves do que nas carnes. Cuidado ao usar com peixes: a acidez pode descolorir o peixe e afetar negativamente sua textura, cozendo-o antecipadamente. Ao fazer molhos, usar no máximo um terço de vinho para três partes do outro líquido, creme ou manteiga. Muito vinho pode causar desequilíbrio no molho.
Algumas vezes, o uso do vinho nos alimentos nem mesmo requer seu cozimento. Os piemonteses gostam de acrescentar o vinho Moscato d’Asti ou Asti Spumante sobre uma taça de frutas frescas e os toscanos molham cantucci (biscoitos secos) no Vin Santo. Colocar um pouco de vinho sobre o prato acabado, entretanto, somente funciona com vinhos doces.
Todos os sabores
Para provocar água na boca, o vinho branco tem presença de destaque na sugestão de Rodrigo Munhoz, chef do Espaço Gourmet Formighieri, onde todos os sábados ele proporciona uma prazerosa aula de gastronomia, sempre com temas atraentes. Os alunos passam boa parte da manhã com ele, interagindo na confecção de diversos pratos que todos vão saborear juntos (com direito a convidados) quando estiverem prontos. Um desses pratos é esse Guisado de coelho na manteiga de amêndoas e sálvia, com o coelho cortado aos pedaços, dourado e em seguida cozido ao perfume do vinho branco. Especial.
E para não sair do tema, outra interessante idéia combinando coelho e vinho branco: Aspic de Coelho. O processo segue por caminhos paralelos, mas diferencia ao final, quando se dá a forma final de gelatina utilizando apenas mocotó, com interessante e convidativo efeito visual.
A proposta do italiano Luca Calabro, chef da Via Blu, é aproveitar as características do vinho branco para fazer um molho de polvo para o Spaghetti alla Giulio Verne, com um molho que puxa para o sabor dos tomates secos e da pimenta calabresa. E para não sair dos frutos do mar, outra dica poderia servir como apetitosa entrada, a Vellutata de abóbora com mariscos, uma espécie de sopa feita de abóbora, batatas e mariscos processados, com decoração de mariscos inteiros e gengibre. Fácil de fazer e de arrancar murmúrios de prazer. Outra idéia poderia ser essa de Lulas recheadas com couve-rábano, até mesmo para valorizar um produto da horta de tão pouco consumo entre nós.
O vinho branco dá seu toque de paladar em pratos com carnes brancas, como já é sabido. E aí também podemos incluir o saboroso vitelo, que ainda não entrou de vez em nossa rotina, mas que, com o crescimento da oferta, já se encontra disponível com maior facilidade. E aí é possível executar esse Vitelo dourado ao alecrim, talvez o mais fácil de todos os listados para hoje. Sem nenhum exagero de tempero, a carne agrega somente os sabores do alecrim, do alho e do vinho branco reduzido, assada em fogo lento. Sucesso garantido.
Ah, sim. O vinho da panela deve estabelecer uma ponte com o vinho que vai ser bebido com o prato. Na dúvida sobre que vinho escolher para acompanhar, a regra geral é beber o mesmo que foi usado na panela ou um similar numa versão mais refinada.
Bom apetite!
Guisado de coelho na manteiga de amêndoas e sálvia
Rodrigo Munhoz, chef do Espaço Gourmet Formighieri
Ingredientes
1 kg de carne de coelho cortada em cubos
1 copo de vinho branco seco
150 g de manteiga extra sem sal
100 g de amêndoas tostadas
2 dentes de alho picados
1 cebola bem picada
100 ml de azeite de oliva
1 colher de sopa de sálvia picada
farinha de trigo para polvilhar
sal e pimenta do reino o quanto baste
Modo de preparo:
Temperar os pedaços de coelho com sal e pimenta do reino o quanto baste. Passar cada um deles pela farinha de trigo, batendo para tirar o excesso.
Em uma panela bem quente (dê preferência para as de ferro), com fogo bem alto, colocar parte do azeite e poucos pedaços de coelho por vez, de maneira que não junte líquido. À medida que forem ficando prontos retirá-los e reservá-los aquecidos.
Na mesma panela, colocar a manteiga, a sálvia e o alho picado. Deixar dourar, colocar a cebola e deixar dourar também. Em seguida baixar o fogo, devolver os pedaços de coelho a panela e acrescentar o vinho branco seco. Corrigir o sal e a pimenta-do-reino e deixar em leve ebulição por uns dez minutos.
Após este tempo, cobrir toda a carne com água fervente, tampar a panela e deixar cozinhar por 45 minutos em fogo bem baixo. A dez minutos do final, acrescentar as amêndoas picadas. Servir quente.
Rendimento: 4 porções.