Seria um fato de pequena importância se praticado às claras e, talvez, sequer suscitasse debate. Mas a forma como aconteceu deu notoriedade ao acontecido: na recente viagem do presidente Lula aos Estados Unidos para a conferência da Organização das Nações Unidas, um viajante não relacionado como participante da comitiva oficial integrou a caravana. O carona era nada mais nada menos que Luiz Cláudio, filho caçula do presidente Lula.

O viajante ignoto partiu cinco dias antes do pai, junto com o chamado escalão avançado, composto por seguranças, assessores e serviçais que foram preparar a histórica visita. Em Nova York, enquanto os demais trabalhavam duro para que tudo acontecesse conforme o previsto, o privilegiado caroneiro desfrutou, primeiro, da simpatia do embaixador brasileiro Ronaldo Sardenberg e sua família, em cuja casa foi hospedado, e depois mudou-se para o luxuoso Hotel Waldorf Astoria, onde se acomodou toda a comitiva oficial brasileira. Voltou ao Brasil no “sucatão” – o Boeing presidencial, junto com o pai.

Segundo Brasília se apressa em divulgar, não há regras que proíbam o presidente de convidar quem quer que seja para acompanhá-lo em suas viagens. Nem locais, nem nacionais, nem internacionais. Tanto que outro Boeing que serve à Presidência, o “sucatinha”, levou no último 7 de setembro, para a capital da República, filhos, noras e netos, além de amigos do presidente, todos hóspedes do Palácio da Alvorada para a festança cívica da Independência. O motivo pouco importa. Seria mesmo demais que o presidente da República, em suas contínuas, múltiplas e extenuantes atividades fosse privado de todo e qualquer convívio com sua família. Ou não pudesse transportar eventualmente consigo mulher ou filhos, como fazem os cidadãos comuns.

É mesmo comum que presidentes de outras nações, quando viajam – inclusive quando vêm ao Brasíl – sejam acompanhados por familiares, que não raro cumprem roteiros turísticos paralelos e até desenvolvem atividades sociais não previstas no roteiro oficial do mandatário. Geralmente, pagam suas contas, mas às vezes usufruem dos afagos e generosidades dos anfitriões.

O que ficou estranho, entretanto, no caso do caçula do casal Lula da Silva (na viagem a Nova York, dona Marisa não acompanhou o marido) é o fato de ele ter viajado de uma forma, digamos, clandestina. Quase como que a burlar a natural vigilância que a sociedade, através da imprensa, exerce sobre as atividades oficiais. Embarcou bem antes para, valendo-se da hospitalidade do embaixador – um funcionário público a serviço do Brasil e pago pelos cofres públicos brasileiros -, ter mais tempo de fruir das delícias nova-iorquinas e, só então, turismo já feito, quando o pai presidente chegou, integrar-se à comitiva oficial (mas sem função), passando para o hotel em que estavam os demais.

No Senado, a viagem do filho de Lula já levantou polêmica. Só não teve repercussão maior em função do clima eleitoral que, nestes últimos dias de campanha das eleições municipais, absorve quase todas as atenções dos brasileiros. Mesmo assim, o líder do PFL, José Agripino, cobrou explicações do presidente Lula à população. “Tenho certeza – disse o senador – que a Presidência da República vai cobrar a passagem do filho dele, bem como apresentar justificativa para a hospedagem na casa do embaixador.”

Talvez nem precise tanto. Nada comparável ao pedido de desculpas presidenciais por usar o cargo que ocupa para fazer companha em benefício de companheiros de partido (e, mesmo assim, como se vê, continuar fazendo). Mas seria saudável que fosse desvanecida essa sensação que se fortalece no sentido de que a família presidencial, assim como o cargo, estão sendo usados para proveitos que não recomendam nem a estadistas, nem a funcionários públicos a serviço dos interesses gerais e mais altos da nação.

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