Vermelho róseo

A extrema-esquerda brasileira sempre reclamou reformas radicais na política, na economia e no campo social. É certo que não podemos e não devemos viver por mais tempo num sistema político que, embora caminhando para uma democracia plena, clama por uma reforma política que dê mais ampla legitimidade aos poderes da República, aos níveis de governo, às formas de eleições e à organização partidária. Mais ainda: que abrigue normas que higienizem o ambiente político e punam os que dele se aproveitam para ganhos próprios ou de grupos e para engodar o eleitorado.

Também é urgente que mudemos o quadro de injustiças sociais em que vivemos, tão grande, profunda e disseminada que chega a castigar com a fome milhões de brasileiros. Isto é insuportável, precisa provocar indignação e reclama reformas urgentíssimas. Aliás, reformas que já tardam por séculos.

No campo econômico, precisamos da retomada do desenvolvimento, para geração de empregos, poupança nacional e redução de nossa dependência de financiamentos internos e internacionais. Estes vêm constrangendo o desenvolvimento, que precisa ser sustentável, oferecendo trabalho e vida decente para todos.

O que a extrema-esquerda sempre reivindicou, portanto, é o que precisamos. A diferença está nas fórmulas e métodos. A maior parte dela sempre pregou uma revolução, conquistas violentas, mesmo que ao arrepio da Constituição, das leis e da vontade da nação. E o estatismo. Seria o caminho da ditadura, muitas vezes percorrido de armas em punho e com sangue derramado.

Outros imaginaram poder conquistar o atendimento dessas necessidades através de manifestações violentas tópicas, como invasões de propriedades, de prédios públicos, greves políticas e outros instrumentos de pressão organizada.

O governo brasileiro sempre reconheceu os problemas, embora algumas equipes que já ocuparam o poder nunca tenham manifestado vontade política para produzir, via democracia, as reformas reclamadas. O Congresso sempre foi leniente, atrasando, obstaculizando ou mesmo impedindo essas imprescindíveis mudanças.

Afinal, surge o PT como partido do poder, elegendo Lula, um líder inconteste das causas dos trabalhadores e das faixas mais humildes da sociedade. Ele abandonou os programas e métodos mais extremados, aceitou alianças, amainou sua linguagem revolucionária e conseguiu reunir em torno de si um grupo que deu sustentação à sua eleição, embora seja verdade que ele, pessoalmente, é que é o grande vitorioso. Sua “entourage” ajudou, mas não fez. Sobe com ele, mas não o levou à chefia da nação.

O perigo agora é que as reformas de que o País precisa, e que já vêm tarde, sejam procrastinadas em razão das composições feitas na campanha eleitoral e daquelas que começam a ser alinhavadas para a constituição do novo governo.

Partidos que disputaram com Lula, no primeiro turno, e o apoiaram no segundo, já se insinuam para participar do seu governo. Há no PT “light” abertura até para grupos que o combateram antes do pleito e durante os dois turnos destas eleições. Há risco de se repetir o que aconteceu com o governo FHC, tão combatido pelo PT porque aliou-se ao conservador PFL e outras agremiações tidas como de centro-direita. Há o risco de que a aliança que poderá agora ser formada transforme o que antes era vermelho em alguma coisa cor-de-rosa e tudo fique na mesma.

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