Verificação de existência de violação às regras da OMC

A Organização Mundial do Comércio possui como regras básicas a da nação mais favorecida (o tratamento oferecido a um país deve ser concedido a todos os membros da OMC, imediata e incondicionalmente), a do tratamento nacional (o produto importado deve receber o mesmo tratamento que o seu similar nacional), a do acesso a mercados (encargos aduaneiros, limitações quantitativas e barreiras não-tarifárias), a da transparência e justiça e a da proteção contra o comércio desleal (anti-dumping e medidas compensatórias).

Como a toda regra existe exceção, a OMC não se afasta deste princípio e possui diversas exceções, cita-se os interesses e valores concorrentes não-econômicos (proteção ao meio ambiente, saúde e moral pública e segurança nacional), interesses e valores concorrentes econômicos (proteção da indústria doméstica contra dano grave causado por um inesperado e elevado aumento das importações) e tratamento diferenciado e preferencial aos países em desenvolvimento e aos de menor desenvolvimento relativo. Outras exceções serão vistas adiante, pois são de maior complexidade.

Elencar as regras e suas exceções é tarefa fácil, eis que o difícil é constatar quando efetivamente há uma violação. Esta tarefa foi enfrentada pelo GATT 1994, o qual estabeleceu, além de regras, “testes” para a verificação de existência de violação as suas próprias regras.

O artigo I:1 do GATT 1994 estabelece o tratamento da nação mais favorecida e um teste de três fases em que se deve responder as seguintes perguntas: a) a medida em questão confere uma vantagem aos produtos originados em ou destinados aos territórios de todos os outros membros?; b) os produtos em questão são similares?; c) a vantagem em questão foi concedida imediata e incondicionalmente a todos os produtos similares? O mesmo artigo enumera medidas pelas quais a suposta vantagem pode ocorrer – tarifas e taxas de qualquer tipo impostas em conexão com importação e exportação, método de imposição dessas tarifas e taxas, regras e formalidades relacionadas a importação e exportação, tributos internos e taxas incidentes sobre bens importados e leis internas, regulamentos e requisitos que afetem as vendas.

O artigo III estabelece a obrigação de tratamento nacional. A violação a este artigo pode se dar de duas formas. Primeira (artigo III:2) através de tributo interno ou outra taxa interna de qualquer tipo. O teste a ser feito é de duas fases: a)os produtos importado e doméstico são produtos similares?; b)a tributação dos produtos importados é superior à tributação dos produtos domésticos? A Segunda forma (artigo III:3) é a análise da suposta violação não Ter sido caracterizada nos questionamentos anteriores, então, passa-se a analisá-la de forma geral, relacionando-a com os princípios básicos do GATT e da OMC. Questionamentos: a)os produtos importados e os produtos domésticos são produtos diretamente concorrentes ou substituíveis que estão em concorrência entre si?; b)os produtos importados e domésticos, diretamente concorrentes ou substituíveis, não são similarmente taxados?; c)a taxação não-similar dos produtos importados e domésticos, diretamente concorrentes ou substituíveis, é aplicada de modo a sustentar proteção à produção doméstica?

Por sua vez, o artigo III:4 envolve leis, regulamentos e taxação (todos internos). Teste de três fases: a)a medida em questão é uma lei, regulamento ou requisito afetando sua venda interna, oferta para venda, compra, transporte, distribuição ou uso?; b)os produtos importados e domésticos em questão são produtos similares?; c)o tratamento concedido aos produtos importados é menos favorável do que aquele concedido a produtos similares domésticos?

Deve-se observar que qualquer uma das questões vistas acima sendo respondidas afirmativamente já está caracterizada a ilegalidade frente ao sistema da OMC. E mais, vários dos conceitos que poderiam levantar dúvidas já foram interpretados pelo Órgão Permanente de Apelação, como “similaridade”, “afetação”, “concorrente”, dentre outros. Por exemplo, quanto à similaridade discutia-se quais os critérios poderiam demonstrar que produtos são similares. Neste caso o Órgão Permanente de Apelação declarou, por diversas vezes, que depende do caso concreto, mas que produtos podem ser similares pelas características físicas e pelos objetivos que se espera alcançar junto ao consumidor final.

Disse-se anteriormente que outras exceções seriam vistas e estas dizem respeito às exceções gerais ao GATT 1994. Determina o artigo XX que são exceções gerais as necessárias para proteger a moral pública, para proteger a vida ou saúde humana, animal ou vegetal, para assegurar o cumprimento de leis ou regulações que não sejam incompatíveis com as disposições do GATT 1994, relacionada aos produtos do trabalho em prisões, impostas para proteção de tesouros nacionais de valor artístico, histórico ou arqueológico e relacionadas á conservação de recursos naturais esgotáveis.

Para esta norma também existe um teste de duas fases: a) a política relativa ás medidas para as quais o dispositivo foi invocado inclui-se no espectro de políticas destinadas a proteger qualquer uma das exceções gerais?; b) as medidas incompatíveis para as quais a exceção está sendo invocada são necessárias para cumprir o objetivo da política?

Na análise do artigo XX deve-se perceber que não basta a simples declaração e demonstração da necessidade da medida adotada pelo país, mas sim a efetiva demonstração de que apenas com ela pode-se alcançar o objetivo de proteção. Ou seja, deve-se demonstrar que não se poderia alcançar a pretendida proteção com qualquer outra medida a nível nacional que não atingisse o comércio internacional.

Ao tratar-se da exceção relacionada à conservação de recursos naturais esgotáveis deve-se responder a mais uma pergunta – a medida é aplicada em conjunção com restrições sobre a produção ou consumo domésticos?

O artigo XXI trata das exceções de segurança, quais sejam, para impedir que um país forneça informação contrária á segurança nacional, para impedir um país que realize qualquer ação que afete os interesses essenciais de segurança (fissionáveis, tráfico de armas e assumidos em tempo de guerra ou outra emergência em relações internacionais) e para impedir um país de realizar qualquer ação contra a Carta das Nações Unidas para a manutenção da paz e segurança internacionais.

De toda esta explanação pode-se pensar que é fácil, na esfera da Organização Mundial do Comércio, enquadrar-se em qualquer uma das exceções para desvirtuar o sistema do livre comércio. Mas a realidade é outra, posto que todas as exceções já possuem testes que servem mesmo como técnicas interpretativas e, por outro lado, estas exceções já foram analisadas por diversos painéis e interpretadas várias vezes pelo Órgão Permanente de Apelação. Esta constatação é importante porque as decisões do Sistema de Solução de Controvérsias possuem função “legislativa”, ou seja, não são obrigatórias, mas normalmente são consultadas e citadas em decisões ou recomendações posteriores.

Patrícia Luciane de Carvalho

é advogada e autora do livro Joint Venture – Uma Visão Econômico-Jurídica para o Desenvolvimento Empresarial.

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