É uma parada das mais indigestas a que Angelo Vanhoni está enfrentando nesse segundo turno, para suplantar o oponente Beto Richa, que ganhou a primeira rodada. Cacife para a eleição no segundo turno? É difícil afirmar, embora se saiba que o filho do ex-governador é o candidato preferencial do sistema oligárquico respaldado pela classe média, que nos últimos 16 anos tem empalmado o poder na capital.
Não há como minimizar a força desse grupo elitista, e as muitas maneiras que tem para influenciar os eleitores, sobretudo nos momentos em que sua hegemonia está a perigo de ser subvertida. Aliás, foi o que ocorreu na última eleição para a Prefeitura de Curitiba, quando o mesmo Angelo Vanhoni esteve a pique de eleger-se, mas foi literalmente massacrado por uma bateria de calúnias e difamações.
Na última semana antes daquela histórica votação, o contingente eleitoral do petista foi aos poucos sendo flanqueado pelo autêntico desespero do situacionismo ante a derrota iminente, de resto suplantado por exígua margem no dia da eleição. Ainda não se disse tudo (e nem se sabe) sobre aquele maquiavélico processo que logrou inculcar na alta burguesia um sentimento de terror pelo que, sussurravam, estava a ponto de desabar sobre a cidade, caso Vanhoni fosse eleito.
Como não se pode esconder o sol com peneira, Richa é o herdeiro presuntivo da mesma falange que elegeu Jaime Lerner, Rafael Greca e Cassio Taniguchi, apesar de suas inúmeras e bem ensaiadas proclamações de independência política. Se quisesse, realmente, ratificar o virtual desenlace dessa vizinhança incômoda, o único ato válido teria sido a renúncia do cargo de vice-prefeito, que ainda ostenta no currículo.
Durante o longo período desde a nomeação dos prefeitos das capitais e cidades situadas em faixas de fronteira, Curitiba teve apenas dois prefeitos autenticamente ligados aos movimentos populares: Maurício Fruet (nomeado por indicação do governador José Richa) e Roberto Requião, que derrotou Lerner por pequena margem, mesmo que até hoje se diga que houve corrupção eleitoral. Para se estabelecer a verdade, seria ótimo exercício investigativo remontar o papel desempenhado pelo governador da época, pai do candidato do PSDB, que hipotecou sua liderança e prestígio na eleição dos candidatos do PMDB, ganhando em Curitiba e nos 13 municípios fronteiriços.
No restante do tempo, os prefeitos eleitos em Curitiba sempre contaram com o irrestrito favor do grupo hegemônico na política e na economia. Visão emblemática desse poder de fogo e disposição de não arredar pé do Palácio 29 de Março, duela a quien duela, foi a atuação de Lerner na famosa campanha relâmpago dos 12 dias. Na ocasião, dois candidatos que se arrogavam o direito de envergar o manto e contar com a graça da burguesia (Algaci Túlio e Airton Cordeiro) foram “convencidos” a renunciar à legítima pretensão de serem prefeitos, a bem de um esquizóide e inconvincente prurido esotérico que fazia de Lerner o ungido dos deuses. É também dessa quadra a renúncia de Enéas Faria, que vinha de irreconciliável querela interna com o PMDB.
Como diz a sabedoria dos simples, não é boa coisa dar as costas à história, até porque ela é recente demais para ser esquecida. Vanhoni e seus aliados políticos, apesar de alguns até recentemente terem estado sob o estendal oligárquico, tentam derrubar o fortim guarnecido por gente que se perpetua na política pelo encilhamento da máquina pública a interesses de pessoas ou grupos restritos. Por isso, a luta não é fácil. Não se entende, e nem é concebível supor, que a classe dominante vá entregar sem resistência as cabeças de ponte (a Prefeitura de Curitiba é a principal) que, historicamente, detém na repartição do poder político e econômico no Estado.
O tempo é curto e por isso as dificuldades de Vanhoni aumentam. Sua mensagem aos eleitores, sem ódio ou rancor, com o é seu feitio, deve levá-los a decidir sem apelos passionais entre um modelo ultrapassado que ainda recende o bolor das capitanias hereditárias, e o que é de fato novo na política curitibana.
Despertado pelos últimos acontecimentos da política nacional, mesmo contrafeito pela ação inercial de um estado que foi in extremis apropriado pela ganância galopante e persistente dos muito ricos, retardando as respostas que a massa sofredora anseia, mas sabe que não podem ocorrer da noite para o dia, o eleitor tem critérios suficientes para não mais deixar-se engambelar como massa de manobra.
Curitiba é o microcosmo da formidável batalha que se trava hoje no Brasil entre o que sobrou do neoliberalismo e as vanguardas que defendem o avanço social. É o momento de aferir se o conservadorismo que outrora sufragou Plínio Salgado, Ademar de Barros, Afif Domingos e Fernando Collor ainda vive, ou o perfil das novas gerações incorporou o vento da mudança que empolga outros quadrantes.
Ivan Schmidt é jornalista.
