Vencidos pela indiferença…

Uma correspondência recebida, que serve de alerta aos vocacionados das carreiras jurídicas, vem de um colega que beira a aposentadoria e sempre trabalhou de assessor em gabinetes do Judiciário e do MP, inicialmente no tribunal de seu Estado e, após, em Brasília. Ei-la:

“…Acompanho seus escritos e muitos deles retratam os esforços dos advogados para bem desempenharem o encargo. Já beirando a aposentadoria em uma vida dedicada a assessorar proeminentes figuras do Judiciário e do MP, cheguei a algumas conclusões e quero compartilhá-las com seus leitores.

Muitos se desgastam e escrevem incontáveis (alguns mais de cem) laudas em seus arrazoados, quando bom direito se evidencia com poucas palavras, e não cuidam dos pressupostos de cabimento dos recursos e, nestes casos, sequer é conhecido. Apesar das viagens e estadias para entrega de, igualmente longos, memoriais aos relatores e pares, com sustentações orais.

O pior é que na entrega dos memoriais, os desconhecedores de alguns protocolos se alongam tanto em conversas desnecessárias com os magistrados, que chegam a “estragar’ o que possa estar escrito. Sim! Talvez o peticionado por si só pudesse causar melhor impressão.

Enquanto isto, o magistrado fica pensando no tempo ali dispendido e nos demais feitos sob sua relatoria ou revisão. Tem aqueles que observando o nome completo do magistrado encontram lá um “praxedes”, por exemplo, e vão logo disparando: “o senhor é dos praxedes de pedrinhas do norte? Não? Pensei que o senhor fosse filho do pé redondo que foi muito amigo do meu pai!(…)’.

Dou meu testemunho também de muitos magistrados que não se inibem em determinar aos seus assessores: “parto do princípio da confiança plena nos tribunais e juízos inferiores e o que eles fizerem está bem feito.’

Ou seja, as coisas de regra devem ficar como estão. Improcedem tudo sem quaisquer análises de hipóteses contrárias. No crime, entendo que esse modismo de julgamentos contra os acusados nos tribunais não é por convicções e sim por ser mais “prático’.

Desertando de suas missões imaginam que se a polícia concluiu na forma do “relatório’, se o MP entendeu por denunciar assim, se o juiz de primeira instância condenou e o tribunal confirmou, é mais cômodo manter isto tudo (…).

Incontáveis ocasiões presenciei advogados sustentarem em seus memoriais, e oralmente nos julgamentos, teses irrebatíveis, e serem vencidos pela indiferença dos “votos prontos’ e pela comodidade do “acompanho o voto do relator’.

É contagiante a vibração e a infindável esperança dos advogados em corrigir distorções. O problema não é técnico e sim cultural! Graças a Deus me aposento nos próximos meses e não pretendo nunca advogar…”

Ao agradecer a correspondência, invoco Vieira: “…Não diz Cristo: saiu a semear o semeador, senão, saiu a semear o que semeia: Ecce exiit, qui seminat, seminare. Entre o semeador e o que semeia há muita diferença.

Uma coisa é o soldado e outra coisa o que peleja; uma coisa é o governador e outra o que governa. Da mesma maneira, uma coisa é o semeador e outra o que semeia; uma coisa é o pregador e outra o que prega.

O semeador e o pregador é nome; o que semeia e o que prega é ação; e as ações são as que dão o ser ao pregador. Ter o nome de pregador, ou ser pregador de nome, não importa nada; as ações, a vida, o exemplo, as obras, são as que convertem o mundo. Para falar ao vento, bastam palavras; para falar ao coração, são necessárias obras…”

Sugiro que escrevas um livro intitulado “Memórias de um assessor” que com seu estilo e sinceridade tem tudo para ser um bestseller.

Elias Mattar Assad é advogado. eliasmattarassad@yahoo.com.br

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