Vandalismo digital

“É danando que se recebe!” Claro que essa não é a famosa frase da oração de São Francisco de Assis, mas, infelizmente, ela foi transformada em lema ou fórmula de sucesso por muitos “profissionais” da atualidade. Sua forma de progredir e conquistar mercados é heterodoxa: eles não oferecem soluções, mas sim problemas, e seu cartão de visitas é o dano. É o caso dos “hackers”, “crackers” e produtores de vírus virtuais.

Não há dúvida de que, normalmente, são indivíduos inteligentes e com inegável capacidade de se adaptarem à dinâmica do universo da informática, mas sua atuação, em muitos casos, denota desvios de comportamento e beira a criminalidade, quando não imerge totalmente nela. Suas práticas lembram muito as das gangues e “máfias”, que oferecem proteção contra si próprias; e dos corruptos, que “criam dificuldades para vender facilidades”.

Alguns têm objetivos bem definidos e suas investidas virtuais visam chamar a atenção dos grandes conglomerados para seu potencial; outros preferem praticar, isoladamente ou vinculados ao crime organizado, crimes digitais, adulterando bancos de dados e desviando recursos de contas bancárias; também existem os que atuam pela “adrenalina” do desafio e da competição, tentando provar que são capazes de violar qualquer sistema de segurança ou defesa, ignorando os riscos que potencializam, apenas para deixarem sua marca, sem nenhum aspecto positivo. Para eles, a internet e as intranets são um grande videogame ou espaço para a prática do vandalismo e violência digitais!

Analisando bem, sua postura não é muito diferente da dos pichadores. É isso aí! Pichadores virtuais! Incomodam, prejudicam, têm seus códigos próprios e vícios, mas nenhum princípio positivo ou ético. Sua regra é transgredir, apenas pelo prazer sórdido de provar o quanto “são bons e ousados”, para disseminar o mal no mundo digital, talvez como compensação às frustrações no mundo material. Coisa de Freud… Alguns podem, até, alegar motivos ideológicos, concentrando seus conhecimentos no ataque a instituições que consideram prejudiciais às suas crenças, mas o que dizer dos programadores de vírus, que têm como único objetivo prejudicar o maior número possível de pessoas, usuárias da internet ou não? O curioso é que eles pensam que só atingem as máquinas.

A simples leitura das listas de vírus e seus efeitos evidencia que a maioria tem efeitos extrema e propositalmente danosos, causando graves prejuízos físicos, psicológicos e financeiros. Como a informática está presente, de forma cada vez mais difusa, no cotidiano, inclusive em setores como geração de energia e sistemas de sustentação de vida de hospitais (UTIs, etc.), a extensão dos efeitos negativos de suas investidas pode assumir contornos de tragédia!

Mas a indústria do vírus e a atuação do “hackers” são mais preocupantes quando verificamos que sua “criatividade e dinamismo” alavancam a prosperidade de toda uma outra indústria: a dos sistemas de segurança, com seus “softwares” antivírus, “firewalls” e promessas de proteção atualizada “on-line”, renovada em períodos cada vez mais curtos, com um custo aparentemente baixo, mas cumulativo.

Um vive e precisa do outro, criando um círculo vicioso semelhante ao da corrupção e da segurança pública: o potencial de lucro desses mercados é diretamente proporcional ao risco de caos. É o equivalente, biologicamente, a um misto de simbiose – entre eles – com parasitismo – em relação ao infeliz, impotente e indignado usuário. Não se sabe até que ponto essa relação é independente, mas a mídia é pródiga na divulgação de casos de criminosos virtuais, normalmente jovens de boa condição social, que são convidados a trabalhar para governos e empresas mediante salários milionários. Qual o real objetivo dessas instituições? Será que é contribuir para a readaptação social do indivíduo ou utilizar suas “habilidades” com propósitos escusos?

Ainda sobre danos, as grandes corporações e governos têm mecanismos de segurança mais ou menos eficientes, mas como fica o usuário independente? Como ressarcir a perda de meses ou anos de trabalho de cientistas, escritores, arquitetos, médicos, engenheiros, designers, produtores de vídeo, bancos de dados de hospitais, escolas, etc? E o lucro cessante? – Fizessem “backup”, ora? – talvez respondam com um sorriso maroto e triunfante. Esse é o preço que a sociedade paga para que um indivíduo se vanglorie de seu “troféu” dentro de seu “seleto” gueto ou busque espaço ou parceria lucrativa no mercado da segurança virtual!

Por mais que os autores dessas práticas acreditem que o que fazem é uma “brincadeira”, seus atos se caracterizam pela intenção dolosa. As legislações penais ainda estão sendo adaptadas para a realidade dos crimes virtuais. O problema maior não está na caracterização do dano, que é real, mas na prova pericial, ou seja, na identificação da atividade virtual ilícita – que também tem que ser definida – e sua vinculação insofismável ao autor. O montante do dano também deve ser avaliado, pois, assim como no caso dos crimes convencionais, é um absurdo que o responsável venha a obter lucro em função do objeto do crime (edição de livros, filmes e consultorias técnicas), antes, durante ou depois do cumprimento da pena, enquanto as vítimas continuam a sofrer as conseqüências do dano, por vezes irreparável. Não se trata de condenar eternamente um indivíduo, mas de compensar suas vítimas mediante desconto parcial da remuneração que receba como fruto do ato ilícito praticado!

É claro que o ideal é tentar evitar o desenvolvimento desse espírito destrutivo, vicioso e inconseqüente em nossos jovens, pelo acompanhamento familiar e acadêmico adequado e atencioso. Sua inteligência e habilidades devem ser estimuladas e direcionadas para propósitos positivos, para si próprios e para a sociedade. “Vacinação” em massa, com ética, para prevenir e combater epidemias virtuais! Quem sabe, em vez de vírus destrutivos e violações de segurança, eles aprendam concentrar seu potencial no desenvolvimento de modelos virtuais, que solucionem problemas ainda não resolvidos pela ciência, facilitem a vida das pessoas (domótica) ou desenvolvam sistemas que permitam a superação de problemas neurológicos e locomotores (Parkinson, Alzheimer, autismo, Down, para e tetraplegia, etc.)!

Será que não tem nenhuma “adrenalina” nisso?

Adilson Luiz Gonçalves

é engenheiro e professor universitário. algbr@ig.com.br

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