Na chamada grande política, em vez da dedicação ao povo, passa-se o dia inteiro discutindo futricas e mais futricas de grandes cidadãs e cidadãos brasileiros contra outros.
A observação, aqui exposta resumidamente, é do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Foi proferida, entre bravatas habituais, ao inaugurar um hospital em Rio Branco, no Acre, na terça-feira que passou, em resposta a um artigo escrito pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, no qual FHC observava, entre outras coisas, que está faltando um rumo ao governo do PT.
Lula mordeu a isca. E, outra vez sem rumo, fez como a raposa da fábula diante das uvas que não podia alcançar por estarem altas demais: é ano eleitoral, cada um pode dizer o que bem entender, falar o que quiser. “Todo mundo se dá ao luxo de falar o que bem entende. Eu acho normal. Como falei muito a vida inteira, não reclamo de quem fala.”
Falou e ainda fala demais o agora presidente. Ao trazer de volta o Correio Aéreo Nacional, mais para “distribuir cidadania” que cartas, Lula prometeu no mesmo dia quarenta anos em quatro. Saudades de Juscelino Kubitschek, cujo lema era cinqüenta em cinco, fez Brasília, decretou a falência da malha ferroviária e atolou o País em dívidas. Só que Lula já gastou quase um ano e meio e ainda continua dizendo inconformado que haverá de cumprir todas as palavras empenhadas em campanha. Mas… desculpa antecipada, vejam só: “Aquelas (palavras ou promessas) que não cumprirmos não será por falta de vontade, mas por falta de tempo ou de recursos”.
Não se sabe se à conta do Waldogate ou de simplismo tão ingênuo fartamente demonstrado, Lula continua caindo ladeira abaixo nas pesquisas de opinião. Numa única semana desceu mais seis pontos, conforme mostra uma pesquisa realizada entre os dias 27 e 31 de março. Um detalhe que favorece a observação de Fernando Henrique Cardoso: mais da metade da população adulta (52%) acha que o caminho do governo, isto é, o rumo, está errado. A popularidade de Lula cai inclusive onde ele acha que dá o melhor de si, no interior, em lugares onde nunca um presidente antes colocou os pés: Norte, Nordeste e Centro-Oeste, em municípios menores do interior dos estados. Áreas onde o campo vive, conforme descreve o ministro Miguel Rossetto, do Desenvolvimento Agrário, a “normalidade democrática” das invasões promovidas pelos sem-terra.
Assim que rompeu o silêncio que se impôs por dever de ofício, exercício democrático ou por oportunidade política, tanto faz, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso tirou o sono do pessoal instalado no Planalto. A “herança maldita” sempre alegada sem muita contestação passou a ter outro significado. Em vão o núcleo do PT sugere a mordaça de ex-presidente a quem tem a liberdade de falar também o que quer. Lula precisa olhar para a frente e deixar o que passou para trás. Acima de tudo tem que dar um jeito naquilo tudo que prometeu – o paraíso impossível. Ele é o único que não pode se dedicar às “futricas”. Mas também aqui precisa ter a sensibilidade de verificar se os assuntos em debate têm a ver com as aspirações, sonhos e esperanças despertados nos brasileiros por quem repetia que tudo dependia de vontade política.
Acima de tudo, que Lula não confunda a “valentia moral” cobrada por Fernando Henrique Cardoso com um mero arroubo de retórica improvisada, onde geralmente o presidente diz exatamente o que não devia dizer. Prometer quarenta anos em quatro, depois de fazer esse enorme suspense com o “espetáculo do crescimento” que não vem, é, no mínimo, gastar latim à toa e mais despir-se da coragem que lhe falta para admitir que se enganou, para não dizer que mentiu, pois, de fato, milagres não existem. Não é, igualmente, nenhuma valentia predispor os brasileiros a aceitar o calote ante a alegação de falta de tempo ou de recursos, quando sobrava vontade de fazer. De boas intenções, dizem alhures, o inferno está cheio.