Valentia e decisão

Os alvos do crime organizado em São Paulo, policiais e guardas penitenciários, eliminados sumariamente nos últimos dias em retaliação à morte de dezenas de ?soldados? do Primeiro Comando da Capital (PCC) nos confrontos com o aparato policial em meados de maio, são vítimas inocentes do processo de avançada deterioração dos liames sociais. Atingidos pelo banditismo que escolheu a cidade mais importante da América do Sul para centralizar verdadeiro esquema empresarial com ramificações em vários estados, os chefes de família assassinados pelo único fato de serem agentes das forças legais estão pagando preço inaudito por terem escolhido uma função profissional como outra qualquer.

No caso dos guardas penitenciários, sobretudo aqueles alocados em estabelecimentos penais atingidos pelas rebeliões, a situação é dramática, pois foram transformados em alvos preferenciais dessa autêntica vendetta desfechada pelo PCC para desmoralizar ainda mais as autoridades encarregadas de zelar pela segurança pública no Estado de São Paulo.

Esses funcionários se recusam a trabalhar em face da absoluta falta de segurança pessoal e, também, pelas condições precárias das instituições em que deveriam prestar serviço, algumas destruídas pelos presidiários. Um exemplo gritante da situação é o presídio de Araraquara, no qual os presos estavam confinados até ontem num pátio, sem alimentação e dormindo ao relento, com todas as portas de acesso soldadas pelos próprios guardas. A única providência concreta tomada pelo governo foi a remoção dos doentes – na maioria aidéticos e tuberculosos – para um local em condições de receberem cuidados médicos e remédios.

Enquanto isso, prossegue a guerra suja movida pelo crime organizado contra a polícia, mas a autoridade faz das tripas coração para fantasiar a realidade conhecida por todos. A cada execução sumária a Secretaria da Segurança Pública informa não possuir elementos para ligar o crime ao PCC, embora as vítimas fossem sempre policiais ou agentes penitenciários chegando ou saindo dos locais de trabalho, e o autor dos disparos sendo transportado na garupa de uma motocicleta.

O governo de São Paulo tornou-se herdeiro das conseqüências tardias da infiltração do PCC na população carcerária da maioria de seus estabelecimentos penais, além de enfrentar a batalha diuturna contra a quadrilha dominante na capital e principais cidades do interior. O governador Cláudio Lembo, em recente entrevista à CartaCapital, afirmou que o PCC ?utiliza-se de dois segmentos: aqueles que podem conduzir a droga, as mulas que não têm condições financeiras; e a classe média, que puxa fumo e usa pó. O Marcola tem um grande consumidor à sua disposição. E são esses mesmos consumidores que vêm ao palácio do governo pedir para a gente agir duramente contra o crime organizado. Só que eles usam o pó, consomem e alimentam o crime organizado?.

Como se percebe pelas palavras do governador, político de reconhecido perfil conservador que não teme apontar a parcela de responsabilidade da própria sociedade, cuja hipocrisia não esconde, o estado convive com um problema social de enorme complexidade, até aqui dissimulado por uma cortina de obscuridade. Os policiais e guardas penitenciários vitimados pela ação terrorista que visa, em última análise, desestabilizar a autoridade, de si mesma desarvorada ante o estágio de desenvolvimento com que o crime opera hoje em dia, são os heróis anônimos de uma guerra irremediavelmente perdida, se a sociedade não reagir agora com valentia e decisão.

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