Vale investir US$ 3 bilhões no Canadá?

Paradoxalmente, enquanto escasseia a vinda de capitais estrangeiros diretos, o Brasil está na iminência de aplicar 3 bilhões de dólares no rico Canadá, mediante a compra pela Cia. Vale do Rio Doce de 52% das ações votantes da empresa Noranda. Esta multinacional em 2002 teve prejuízo de US$ 447 milhões (jornais de 29/6/2004).

Para ultimar o negócio, a Vale está juntando 1 bilhão de dólares com a venda por US$ 578 milhões à multinacional Arcelor de suas ações na Companhia Siderúrgica de Tubarão (CST) e de suas participações na Usiminas por US$ 270 milhões e na Pará Pigmentos por US$ 180 milhões.

Conforme anunciado, além de dinheiro vivo, a Vale vai entregar à Brascan Corporation pelos 42,7% de ações, que possui na Noranda, a mina de cobre em produção de Sossego e talvez a de Salobo, ambas em Carajás (PA), com valor calculado pela norte-americana Merryl Lynch de US$ 800 milhões.

Isso está parecendo uma barbaridade. A Cia. Vale do Rio Doce, criada pelo estadista Getúlio Vargas, tornou-se a maior empresa mineradora e exportadora de minério de ferro do mundo, graças a 56 anos de sacrifício do povo brasileiro (estatal de 1941 a maio/1997). Pesquisas realizadas pela antiga Docegeo identificaram reservas de minério de ferro para 400 anos de exploração e imensas jazidas de ouro, caolin, cobre, bauxita e outros. A estatal construiu extraordinária logística de transporte da mina ao porto, com as ferrovias Carajás – Porto de Itaqui, no Maranhão, e Minas Gerais – Porto de Vitória, no Espírito Santo.

Como se sabe, o controle acionário da Vale foi privatizado pelo governo FHC, em 6 de maio de 1997, pela bagatela de míseros R$ 3,388 bilhões. Desde então, a generosa distribuição de dividendos aos acionistas da ordem de 70% de lucro líquido já superou de muito o capital investido.

Certa ocasião o presidente da Vale disse na imprensa que os ?sócios controladores da Vale são investidores e não industriais?, conceito que não condiz com a condição de herdeiros da verdadeira ?jóia da nação?, cujas reservas minerais chegaram a ser avaliadas por 1 trilhão de dólares por geólogos da Companhia de Pesquisas de Reservas Minerais (CPRM), no período que precedeu ao leilão de privatização.

O presidente Lula tem o dever patriótico de intervir nesse assunto e impedir essa sangria de no mínimo 3 bilhões de dólares para o exterior, com agravante do possível comprometimento aos alienígenas de valiosas jazidas. A Previ, maior acionista da controladora Valepar, teria que vetar esse absurdo, que ficará como mancha indelével sobre o governo Lula se a transação for concluída. Todavia, o Fundo de Pensão do Banco do Brasil concordou com a esdrúxula idéia do presidente Roger Agnelli, do Bradespar.

Com o fraquejamento da Previ no Conselho de Administração, espera-se que o BNDES ainda venha a pôr a boca no trombone, porquanto nele detém um cargo após ter adquirido do InvestVale Clube de Empregados 8,5% do capital social da Valepar, exatamente com o propósito de contribuir para a formulação dos planos estratégicos da Vale, de conformidade com os interesses superiores do País.

O que mais distingue o governo Lula do de Fernando Henrique Cardoso é a atuação do BNDES. Antes, era o banco da privatização, dos empréstimos sem garantia a firmas estrangeiras para abocanhar ativos estatais (exemplo da AES). Agora, sob a gestão do professor Carlos Lessa, voltou a ser banco de desenvolvimento, dentro da filosofia do último governo Vargas que o concebeu.

Não é demais lembrar que a gestão FHC cometeu ainda o desatino de renunciar ao direito de nomear dois representantes do Poder Executivo no Conselho de Administração da Vale ao transacionar, em 2001, na Bolsa de Nova York, 31,17% das ações ordinárias com direito a voto da Vale, reservando, para embair a opinião pública interna, pequeno percentual aos inscritos no FGTS, como forma de suavizar esse ato de submissão aos cânones do neoliberalismo.

A Vale, com mais esse aporte no seu caixa de 1 bilhão de dólares, tem a obrigação de trazer investidores para o Brasil, formando joint-ventures para trabalhar nossas imensuráveis reservas minerais. Não faltarão para a Vale sócios chineses, japoneses, australianos, africanos do sul, canadenses, europeus, norte-americanos para compartilhar nossas dádivas da natureza.

Se a diretoria da Vale deseja amealhar novos recursos financeiros para contemplar seus felizardos acionistas seria preferível que vendesse suas jazidas no território brasileiro para multinacionais, que viriam explorá-las, gerando riquezas, novos empregos e divisas na exportação.

A Vale, CSN, Usiminas, Embraer e outras estatais privatizadas, erguidas com ?sangue, suor e lágrimas? pela coletividade, não podem moralmente desprender-se de compromissos com o futuro do Brasil.

Esse plano da Vale comprar 52% do capital votante da Noranda no Canadá por US$ 3 bilhões precisa ser contido. Sociedades e investimentos em minérios – que ostentamos em profusão – só se justificam dentro do território brasileiro. Explorar minas de carvão, de que somos carentes, na China ou em Moçambique, tudo bem. Afora isso, internacionalização da Vale, somente aqui.

Léo de Almeida Neves, ex-deputado federal e ex-diretor do Banco do Brasil. Autor dos livros Destino do Brasil: Potência Mundial, Editora Graal, RJ, 1995, e Vivência de Fatos Históricos, Editora Paz e Terra, SP, 2002.

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