O presente artigo é fruto de estudos realizados no grupo de iniciação científica coordenado pelo autor, professor Luiz Gustavo de Andrade, no Unicuritiba, de temática relacionada à concretização dos direitos fundamentais, e representa parte do trabalho de conclusão de curso do também autor Mauricio Merkl.

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O objetivo deste estudo é verificar a utilização do usucapião coletivo urbano como instrumento de concretização da função social da propriedade. A propriedade consagra uma visão liberal individual – potestativa e representa uma dentre as várias concepções voltadas a explicar a relação existente entre o homem e as coisas(1).

No Brasil, a propriedade privada foi sendo construída, enquanto conceito jurídico, num esforço para tentar dissociar-se dos interesses mercantis da metrópole portuguesa.

Nesse processo histórico, a função social aparece na tentativa de agregar deveres ao direito subjetivo à propriedade, deveres estes imputados não apenas ao proprietário, mas ao administrador e ao legislador, concebendo-se uma função social com caráter de cláusula geral e princípio jurídico informador da ordem econômica(2).

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A exigência do cumprimento da função social no texto constitucional é expressa no caput e parágrafo segundo do artigo 182, de forma que o constituinte exigiu que a política de desenvolvimento urbano ocorresse conforme diretrizes do plano diretor, buscando o desenvolvimento das funções sociais da cidade com o objetivo de garantir o bem-estar dos habitantes.

O Usucapião Urbano Coletivo é considerado pela doutrina em geral como uma grande inovação introduzida pelo Estatuto da Cidade. O artigo 10 do Estatuto determina que as áreas urbanas com mais de 250 metros quadrados, ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos tomados por cada possuidor, são susceptíveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural. Podem os possuidores, para o fim de contar o prazo exigido, acrescentar suas posses à de seus antecessores, contanto que sejam contínuas.

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Ainda em relação ao instituto do usucapião coletivo, observa-se que a legitimação é coletiva, como corolário das características elementares desta espécie de aquisição da propriedade(3).

Desta forma, Ferraz atribui às associações de moradores a legitimação para que invoque a resposta do Estado, no exercício de sua função jurisdicional. Destacando regras do processo civil, entende referido autor que na qualidade de substituto processual, imprescindível a autorização expressa dos representados.

Para o autor “a tramitação, relativamente a um (uns) certo (s) possuidores, de ação individual e coletiva concomitantemente, não induz litispendência, até porque o possuidor uti singuli não é, na ação coletiva, parte em sentido processual, refletindo-se a duplicidade das vias tão apenas na execução de sentença.”

O estado de composse entre os possuidores justifica o litisconsórcio necessário, pois é cristalina a necessidade de que a decisão do magistrado seja uniforme em relação a todos os prováveis afetados.

Os fatos a serem descritos no conteúdo da petição inicial são a posse e os demais elementares capazes de permitir a perfeita modulação dos eventos aos requisitos legais.

A luz dos fundamentos da hermenêutica constitucional, Márcio Krammer de Lima(4) desenha uma situação de prevalência do instituto do usucapião sob a perspectiva do desenvolvimento sustentável e meio ambiente equilibrado.

Para ele, nas situações em que a degradação do meio ambiente já ocorreu, e que a sua restauração seja absolutamente inviável, a proteção ao meio ambiente deve abrir espaço para o usucapião coletivo, para que se concretize o direito fundamental à moradia.

O usucapião urbano coletivo, como instrumento de concretização do princípio da função social da propriedade e, como conseqüência lógica de grande parte da gama de direitos que o ordenamento oferece, depende de uma soma de forças entre os poderes institucionalizados e a sociedade.

Não é viável que esta empreitada obtenha resultado positivo sem esta gestão recíproca. A vontade do poder público, porém, é o requisito estrutural para a busca pela concretização da série de direitos e garantias fundamentais expostos na Constituição de Republica Federativa do Brasil, promulgada em 1988.

A transposição das normas constitucionais para a realidade observada pela população em geral, é o único meio capaz de garantir que a Carta Magna não passe ser considera, assim como exposto por Ferdinand Lassale, mero pedaço de papel. É clara a relação entre valor e durabilidade de um texto constitucional e a sua congruência com a realidade social vigente.

Notas:

(1) VARELA, Laura Beck. Das propriedades à propriedade: construção de um direito. In: MARTINS-COSTA, Judith (Org.). A reconstrução do direito privado: reflexos dos princípios, diretrizes e direitos fundamentais constitucionais no direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 732.
(2) GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1998. 2.ª ed. São Paulo: RT, 1992. p . 243.
(3) DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio (Coord.). Estatuto da cidade: comentários à Lei Federal 10.257/2001. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 147-148.
(4) LIMA, Marcio Krammer de; Usucapião Coletivo e Desapropriação Judicial: Instrumentos de Atuação da Função Social da Propriedade. Rio de Janeiro. Ed. GZ, 2009.

Mauricio Merkl é graduando em Direito pelo Unicuritiba. Integrante do Grupo de Estudos de título “Hermenêutica Constitucional e Concretização dos Direitos Fundamentais”.

Luiz Gustavo de Andrade é advogado sócio do escritório Zornig, Andrade & Associados. Mestre em Direito e Professor do Unicuritiba.