Qualquer mercado, em todos os setores de atividades, somente será harmonioso e forte quando as regras do arcabouço legal forem as mesmas para todos os agentes de uma cadeia produtiva. Privilégios, institucionalizados ou não, distorcem quaisquer mercados. Bons concorrentes são aqueles que, em vez de se atirarem a uma competição irracional, utilizando-se de artifícios sem limites éticos, trabalham juntos pela valorização e aperfeiçoamento do mercado em que atuam.
No setor gráfico, indícios do uso irregular do chamado ?papel imune?, visando reduzir artificialmente os custos na ponta da produção, vêm sendo identificados pelo mercado e pelas autoridades há mais de 30 anos. Esse processo, ética e legalmente condenável, sofreu evidente recrudescimento a partir de meados dos anos 90, quando a combinação de elementos como o aumento da carga tributária e a globalização econômica acirrou dramaticamente o grau de concorrência no mercado gráfico.
Esse tipo de comportamento ainda tem como combustível extra a falta de uma caracterização legal mais precisa de alguns produtos, como acontece particularmente no caso dos periódicos. Um vácuo que abre brechas para justificativas oportunistas de sonegadores, mas também para interpretações simplesmente equivocadas da lei por parte de empresas idôneas.
Para o setor gráfico como um todo, esse problema tem o peso de verdadeira concorrência desleal e ato de ?canibalismo? empresarial. Afinal, espremidas pela pressão da clientela para reduzir preços e enfrentando orçamentos barateados irregularmente pelo uso do papel imune, diversas empresas viram-se obrigadas a reduzir suas margens, colocando até em risco sua viabilidade operacional. Diante desse quadro, a Abigraf (Associação Brasileira da Indústria Gráfica) e a Receita Federal vêm realizando trabalho conjunto de conscientização, esclarecimento e fiscalização do uso, comercialização e distribuição do papel imune.
A Abigraf engajou-se fortemente no combate a essa prática ilegal. Em 1994, juntamente com associações e sindicatos representativos de fabricantes e distribuidores de papel, divulgou nota ao mercado condenando a sonegação e esclarecendo sobre os riscos e penalidades envolvendo o desrespeito à legislação.
Dois anos mais tarde, divulgou texto semelhante aos clientes de produtos e serviços gráficos, enfatizando aspectos como a co-responsabilidade e a chamada solidariedade tributária, que de certo modo os iguala como réus e sonegadores a importadores, fabricantes, distribuidores ou gráficas flagradas em delito. Vinte mil exemplares desse comunicado foram encartados em edições do Anuário Brasileiro da Indústria Gráfica.
Mais recentemente, a entidade realizou gestões nos órgãos públicos que desencadearam mudanças, como a obrigatoriedade de registro especial na Secretaria da Receita Federal para fabricantes, usuários (empresas jornalísticas e editoras), importadores, distribuidores e gráficas que desejam utilizar o papel imune, consubstanciada na Instrução Normativa SRF n.º 71/2001, alterada por outra de n.º 101/2001, que ainda instituiu a Declaração Especial de Informações Relativas ao Controle sobre o Papel Imune (DIF – Papel Imune). Desde então, a Abigraf Nacional vem colaborando para a divulgação de prazos e esclarecendo dúvidas do mercado sobre esse procedimento.
A entidade também elaborou, há cerca de um ano, o Guia Orientativo – Papel Imune, mais um passo nessa direção do esclarecimento e do entendimento, visando à prevalência de um mercado equânime e justo, inclusive como parâmetro técnico para as autoridades da Receita Federal. Elaborado para que as empresas do setor tenham referenciais legais e operacionais corretos, o guia não esgota todos os aspectos controversos da questão, mas deve continuar sendo entendido como contribuição para que o mercado se balize por conceitos como ética, qualidade e competitividade, afastando os sonegadores que, sejam quais forem suas razões, apenas degradam a imagem e a saúde financeira da indústria gráfica.
Em momentos de retração econômica como o vivido pelo Brasil, é preciso redobrar os cuidados relativos à concorrência ética. Os setores que se pautarem unanimemente pelo respeito às leis e normas têm muito mais oportunidade de emergir das crises macroeconômicas mais fortalecidos, harmoniosos e depositários da credibilidade de seus clientes, fornecedores e da sociedade como um todo.
Mário César de Camargo, empresário gráfico, administrador de empresas e bacharel em Direito, é presidente nacional da Associação Brasileira da Indústria Gráfica (Abigraf).