Chegamos ao apogeu de uma nova civilização. As ciências avançaram a tal ponto, que mitos caíram, efeitos e lendas foram explicados como fenômenos meramente naturais, trazendo a perspectiva de que nosso planeta tenha sido formado pelo mero acaso, assim como a constelação das estrelas no firmamento do céu, que surgiu para o nosso deleite. Somos o centro do universo, ou mesmo algo abandonado num canto dele, que terá a precípua função de vida e morte, seja no macro ou microcosmo.
Estamos aqui sozinhos, no nada, pautando nossas atitudes e ações apenas no agora, fazendo com que o amanhã não exista, muito menos a idéia de futuro. Em nome do prazer sem limites, amor e ódio não existe, e a regra é não ter regras ou escrúpulos. Talvez isto tenha desfigurado a humanidade, a ponto de nosso comportamento chegar às raias do absurdo, e estamos piores que animais, já que o fruto dos desejos promíscuos é descartado como dejetos, em rios, atrás de muros de cemitérios, em estacionamentos ou em covas rasas, assim como os desejos sórdidos que carregamos em nosso coração, movidos por nossas cobiças, invejas, ambições e individualismo.
Apesar da globalização e dos inúmeros fatores agregados a este processo, devemos considerar que a idéia capitalista é semelhante à marxista, onde o indivíduo some dentro do coletivo, a diferença fica apenas nos modelos doutrinários, já que na prática ricos continuam ricos e pobres continuam pobres, ambos em universos diferentes, sem a mínima possibilidade de transigirem. Sobre o ponto de vista da psicanálise, o modelo mátrio conduz ao absolutismo, e o frateo à tirania e opressão, bem lembrada pela psiquiatra, Maria Rita Kehl, em Função Fraterna, onde o filho assassina o pai e assume o comando dos irmãos. O ato cometido pelos irmãos contra o pai simbólico ou real, referido por Frued, ao mesmo tempo, da lei e da culpa. O crime compartilhado intensifica os laços fraternos e exige a produção de um ideal coletivo, que invariavelmente acaba sendo corrompido. Nesta nova concepção de pacto civilizatório, o mais forte comandará o grupo, deixando de lado todo o esforço em compor os desiguais como iguais, desrespeitando a desigualdade de cada um.
A seiva que alimenta a razão do homem sempre foi a filosofia, a ela cabe o papel de transformar carnívoros bárbaros em humanos racionais e equilibrados. Como vertedouro da água mais cristalina do pensamento, que ajuda a compor a idéia sociológica de um mundo justo e perfeito para todos, na busca do modelo ideal que nos tire do caos, assim como estimular os conceitos que diferenciam o certo do errado, dentre outros, conceitos estes utilizados pela psiquiatria e outras ciências, porém através dos erros egocêntricos do homem, também conduz a filosofia ao engano. Empédocles, que viveu pelo século V a.C., da mesma opinião de Parmênides, que o ser é imutável porque se não o fosse, o mundo já teria deixado de existir. Não descartando a possibilidade do devir, quando da combinação de vários elementos em certa mistura ou proporção, dá-se a geração de um indivíduo. Quando a proporção se rompe, segue-se a corrupção. O devir é causado de fato pela luta entre duas forças primordiais: o amor e o ódio. O amor une os elementos; o ódio os divide. Neste conjunto de idéias, Empédocles colocou duas fontes que não interagem entre si, portanto são totalmente inertes. Amor não é apenas amor, assim como ódio, tão só ódio. Para ficar claro, a corrupção surge por outros fatores e outros elementos.
Existe aquela máxima: "o inimigo de meu inimigo é meu amigo", então para eliminarmos um inimigo, sufocamos nosso ódio por outro inimigo e acabamos unindo forças para derrotar um inimigo em comum. Chegamos à conclusão que o ódio agrega, assim como o amor desagrega, quando filhos disputam a atenção dos pais. Mas quais fontes seriam realmente puras, e qual seria o elemento corruptor?
Sempre tive um questionamento, nas noites vazias, impelidos não pela insônia, mas pelo trabalho, que o mal do homem estaria entre necessidade e desejo. Quando temos o que necessitamos, porque desejar mais do que precisamos? Surge ai o elemento corruptor: nossa cobiça. Quantos não cobiçaram alguma coisa que viram, sem a possibilidade de tê-la, ou mesmo a possuindo, cobiçaram a de seus algozes?
Torna-se melancólico e ridículo, dentro da grandiosidade que é a vida em toda a sua plenitude, acreditar que somos o centro do universo, ou mesmo algo abandonado num canto dele, que terá a precípua função de vida. Se o for, de que valerá a vida? E a morte tornará sem sentido em nossa existência, que é tênue. Bem e mal não farão a mínima diferença, ameaçando assim nossa própria evolução, subsistência e perpetuidade.
O universo não é obra acabada, assim como o ser humano. Aprendemos e evoluímos dia-a-dia, e este conjunto, trará a nós possibilidades infinitas de sermos melhores, se frearmos nossa cobiça, aprimorando nosso caráter, construindo um futuro para humanidade. Devemos nos centrar na necessidade, estimulada pelo conjunto das virtudes, pois elas nos guiarão ao abrigo seguro da evolução e perpetuação da espécie, mantendo em nosso coração o desejoso saudável de transformar o mundo em um lugar a cada dia melhor, seja em seu aspecto físico, respeitando a natureza que nos concebeu, o planeta Terra, ou a adversidade humana que compartilhamos, para nós, nossos amigos, vizinhos, filhos e netos.
Dr. Adolfo Rosevics Filho é membro da Academia de Cultura e Academia Sulbrasileiras de Letras, Subseção Paraná.
