Recentemente a Universidade Federal do Paraná, por meio de seu Conselho Universitário, instituiu o sistema de cotas para acesso aos cursos superiores. Reservaram-se 20% das vagas para negros e outros 20% para alunos oriundos do ensino público. O próprio governo federal estuda adotar medida similar, para logo.
Em que pese a discussão do tema sujeitar-se a vários vértices possíveis de análise, um ponto de elementar importância está, até o presente momento, carente de discussão com a sociedade; qual seja, a validade da medida frente à nossa Constituição. Logo, da análise mais elementar o tema já demonstra sua dimensão crítica no que toca à igualdade, por conferir tratamento favorecido a determinados grupos, em detrimento de condições de acesso iguais a todos.
Por possibilitar a abordagem constitucional múltiplas aproximações, com estribo em diversos valores (que não raro parecem mesmo se contradizerem), não se pretende uma resposta definitiva à questão e, sim, o estímulo a uma discussão ausente. A questão reside em saber se por conta da alegada intenção de inclusão social nas Universidades seria possível estabelecer para o acesso a um curso público distinções fundadas em critérios raciais ou por conta de onde estudou o candidato.
Em juízo íntimo – à luz dos princípios contidos na Constituição – a resposta parece ser inexoravelmente negativa, sendo o sistema de preferências para o acesso às Universidade Públicas fundado, nos critérios expostos, perdidamente inconstitucional. Isto pois, os valores eleitos para a discriminação não são sustentáveis face aos princípios contidos na Constituição.
O que está em causa, a toda prova, é o acesso a uma utilidade ofertada pelo Estado, o que, por lógico, predica igualdade de acesso a todos de regra. Aliás, é princípio do ensino a igualdade de condições de acesso. Só pode ser a regra excepcionada se a própria ordem legal reconhece a desigualdade entre as partes como legítima a suportar um tratamento diverso. Esta diferença que induz a um tratamento desigual há de ser tutelada pela ordem jurídica. Resta saber se os critérios eleitos seriam aptos a tanto por haver alguma distinção entre alunos negros e brancos ou entre os do ensino público e os alunos do ensino privado.
Em que pese a questão racial, longe estar de ser e sem preconceito, a discriminação pretendida por conta da cor da pele não se parece lícita no que toca ao acesso às Universidades e é reprovável à luz da Constituição que é clara ao estabelecer que a raça não será fator de discriminação. Nem sob a pauta da “discriminação positiva” pode se defender a idéia, haja vista ser a preferência estabelecida ofensiva, por si, ao valor Constitucional da igualdade. O caráter positivo é falacioso; o que é positivo para os que são beneficiados é negativo para aqueles que não o são. Não parece, neste caso, a raça ser suporte idôneo para legitimar a diferença de tratamento, valendo por tudo a regra da igualdade, sem prejuízo de adoção de outras medidas de inclusão (desde que não quebrem o valor igualdade).
No que toca à discriminação por conta da origem do aluno, favorecendo os oriundos das escolas públicas em prejuízo dos que estudaram em colégios particulares, a inconstitucionalidade é óbvia. Isto pois, a própria Constituição, ao estabelecer a convivência harmônica entre o ensino público e o privado, deixa clara a igualdade entre eles, estando o ensino privado sujeito ao respeito às normas gerais e o controle por parte do Estado. A complementariedade entre o setor público e o setor privado para a implementação do ensino no Brasil em todos os seus níveis, concebida pelo constituinte, não pode ser falseada pela inclusão de fatores de discriminação entre eles. Ambos têm a missão institucional de promover a educação nos termos da Constituição, o que não pode ser debelado pela criação de qualquer sorte de favorecimento.
Em que pese urgir a reforma universitária, sendo um ponto a ser enfrentado a inclusão social, isto não pode ser feito à custa do desrespeito ao princípio da isonomia. Dar abrigo à desigualdade, mesmo que sob a mais nobre das justificativas, é abrir a porta do arbítrio e fazer da Constituição letra morta. Enveredar por este caminho é tomar o atalho mais curto para perder o que resta dos valores que informaram a Constituição.
Bernardo S. Guimarães
é mestrando em Direito Administrativo na Universidade de São Paulo – USP.(bsg@mbe.adv.br)