Universidades particulares querem assumir competências do MEC

Na semana que vem, as faculdades e universidades particulares vão votar o primeiro código de auto-regulamentação do ensino superior privado do Brasil. Com as novas normas, elas pretendem trazer para suas mãos competências que hoje cabem apenas ao Ministério da Educação (MEC), como avaliar a qualidade do ensino e "descredenciar" instituições com problemas.

O código, elaborado pela Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior (Abmes), deve ser aprovado na terça-feira, na sede da entidade, em Brasília. De forma geral, o texto traz orientações éticas que terão de ser seguidas pelas mais de 300 instituições filiadas, principalmente em relação à feroz disputa de mercado.

É o início de uma ofensiva para se livrar do que chamam de "poder interventor e credencialista" do MEC. "As instâncias governamentais inibem nossa ação criadora e inovadora. Queremos ampliar nosso poder de decisão, assumir nosso caminho", explica Valmor Bolan, reitor da Universidade de Guarulhos, na Grande São Paulo, e coordenador da comissão da Abmes responsável pela elaboração do código de auto-regulamentação.

A fiscalização do cumprimento do código ficará a cargo de um comitê de ética. As instituições que se guiarem pela normas receberão uma espécie de selo de qualidade. Já as que descumprirem, além de não receber o certificado, poderão até ser expulsas da Abmes. Essa será a forma da associação de "descredenciar" faculdades. "Essas poucas instituições são as responsáveis pela imagem de mercantilistas e oportunistas que as particulares têm. Queremos mostrar para a sociedade e para o governo que isso não é generalizado", continua.

Provão paralelo

Além da forma como as instituições se comportam no mercado, também será examinada a qualidade de ensino. Haverá uma espécie de "provão paralelo". Isso, no entanto, ainda não tem data para começar. Para as particulares, as avaliações feitas pelo MEC estão longe do ideal e impregnadas de carga ideológica. "Nos últimos dez anos, tivemos três regras diferentes de controle e avaliação", queixa-se o vice-reitor da Universidade Anhembi Morumbi, de São Paulo, Maurício Garcia, que também é membro da Conaes, a comissão do MEC responsável pela avaliação das universidades. "Não se pode ter tanta mudança. E elas ocorrem a cada governo que muda, a cada partido, a cada ministro. Isso nos prejudica, porque educação é uma questão de longo prazo.

As faculdades e universidades particulares são unânimes em apontar como problema o excesso de presença do MEC. "O modelo brasileiro é absolutamente anacrônico. O governo determina os cursos, os currículos, a titulação dos professores… É uma centralização excessiva. Há uma espécie de sentimento de tutela, como se o pessoal do ensino particular não merecesse nenhum tipo de confiança", afirma José Roberto Whitaker Penteado, um dos diretores da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).

"Desde os anos 50, temos portarias, leis, decretos e resoluções sobre educação que acabam se sobrepondo. O governo deveria se preocupar com o macro e deixar que as próprias instituições cuidem do micro", acrescenta Paulo Alcântara Gomes, reitor da Universidade Castelo Branco, do Rio, e ex-reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Outra crítica é o fato de o MEC exigir que as instituições se dediquem também à pesquisa. "É preciso entender que as instituições privadas são mantidas pelos alunos, que não podem ser obrigados a financiar atividades de custo elevado e cujo cumprimento cabe ao Estado", afirma o reitor Valmor Bolan.

Na opinião do advogado João Roberto Moreira Alves, presidente do Instituto de Pesquisas Avançadas em Educação (Ipae), a auto-regulamentação será um avanço. "Há alguns aspectos que não cabem ao MEC, como avaliar a situação fiscal das instituições e decidir se há ?predadores? no mercado. Isso cabe às próprias faculdades e universidades", explica. Ele, no entanto, ressalta que a avaliação do ensino é dever do governo.

O ministro da Educação, Fernando Haddad, reagiu à notícia afirmando que não pretende abrir mão de suas atribuições. "Continuaremos aperfeiçoando os mecanismos de controle da qualidade de ensino, resistindo ao ímpeto de setores minoritários da sociedade de transformar a educação em mercadoria. Esse ímpeto se materializa no absurdo de questionar o princípio da indissociabilidade de ensino, pesquisa e extensão. No fundo, o MEC está sendo criticado por cumprir com mais zelo a Constituição.

Grupos de WhatsApp da Tribuna
Receba Notícias no seu WhatsApp!
Receba as notícias do seu bairro e do seu time pelo WhatsApp.
Participe dos Grupos da Tribuna
Voltar ao topo