Uniformização da jurisprudência intramuros no TRT: aplicação do § 1.º do art. 555 do CPC

1. Introdução

As inúmeras modificações, tópicas, que se vão operando, desde há muitos anos, no processo civil, originaram o acréscimo do parágrafo 1.º ao art. 555 do Código de Processo Civil, com o seguinte teor: “Ocorrendo relevante questão de direito, que faça conveniente prevenir ou compor divergência entre câmaras ou turmas do tribunal, poderá o relator propor seja o recurso julgado pelo órgão colegiado que o regimento indicar; reconhecido o interesse público na assunção de competência, esse órgão colegiado julgará o recurso” (Lei n.º 10.352, de 26.12.01).

2. Aplicabilidade nos Tribunais Regionais do Trabalho

Verificando os juízes integrantes do TRT da 9.ª Região a absoluta compatibilidade da norma de processo civil com o processo do trabalho (art. 769 da CLT), adaptou-se o Regimento Interno, com a edição da Emenda Regimental 01/02 (art. 5.º), alterando-se o inciso X, do art. 55, da disposição interna, possibilitando ao Juiz Relator que: “Ocorrendo relevante questão de direito, que faça conveniente prevenir ou compor divergência entre turmas do tribunal, propor seja o recurso julgado pelo Egrégio Tribunal Pleno, que, reconhecendo o interesse público na assunção de competência, poderá fazê-lo, nos termos do art. 555, § 1.º, do CPC”.

Portanto, agora, o Tribunal Pleno do TRT da 9.ª Região passa a: “reconhecendo interesse público na assunção de competência, julgar os recursos submetidos à sua apreciação, conforme o art. 55, X, deste Regimento Interno” (art. 2.º da Emenda Regimental).

3. Os requisitos do novo procedimento

Em face da redação do § 1.º do art. 555 do CPC, e o disposto agora no Regimento Interno, para que o recurso possa ser remetido ao Tribunal Pleno, que está em grau hierárquico superior ao da Turma Julgadora originária, devem, necessariamente, concorrer quatro pressupostos, segundo José Rogério Cruz e Tucci: “a) existência de questão de direito em concreto; b) verificação potencial de divergência atual de posicionamento sobre tal quaestio entre órgãos fracionários do mesmo tribunal; c) reconhecimento da relevância pública da questão; d) proposta do relator e aprovação da maioria dos integrantes da turma julgadora” (Lineamentos da nova reforma do CPC: São Paulo: RT, 2002. p. 89).

4. Relevante questão de direito

Relata-nos Cândido Rangel Dinamarco que: “O vocábulo questão é empregado no texto da lei (…) em seu puro significado carneluttiano, a designar toda dúvida surgida no espírito do juiz ou levada a ele pelas partes. Têm-se dúvidas quanto aos fatos, ou questões de fato; e dúvidas quanto à interpretação da lei ou à dimensão desta e sua pertinência ao caso, ou questões de direito. Como é arquinotório, Carnelutti conceituou questões como “pontos duvidosos de fato ou de direito” (DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma da reforma. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 136).

Segundo o mesmo doutrinador, ainda, considera-se questão jurídica relevante “quando sua solução pode transcender os interesses dos sujeitos em litígio, projetando influência sobre a sociedade como um todo ou sobre os valores inerentes à vida social, notadamente aqueles que a Constituição Federal abriga e resguarda” (ob. cit., p. 137).

5. Interesse público

É possível reconhecer o interesse público legitimador da providência ditada na regra estudada, segundo Dinamarco, mutatis mutandis (adaptação à Justiça do Trabalho), quando: a) pender no tribunal ou nas varas uma quantidade significativa de causas envolvendo a mesma tese jurídica; b) a causa envolver direitos ou interesses transindividuais de particular relevância ou de pertinência a grupos bastante numerosos, ainda mais quando se tratar de ação coletiva ou civil pública com esse conteúdo; c) estiver em causa um direito ou um preceito fundamental, especialmente se para o julgamento da causa for necessário o pronunciamento do tribunal sobre um texto constitucional, seu significado, sua dimensão; d) for previsível a repercussão macroeconômica do acatamento de uma tese jurídica em discussão na causa; e) se tratar de tema processual bastante repetitivo, como a admissibilidade de agravos internos ou regimentais em certos casos polêmicos, etc (ob. cit., p. 137).

6. Legitimidade

Explicite-se, desde logo, que “apenas o relator do recurso é que ostenta legitimidade para propor aos demais integrantes da turma julgadora, sem qualquer manifestação das partes e do Ministério Público, a remessa do recurso ao órgão colegiado superior” (TUCCI, José Rogério Cruz e. ob. cit. p. 90).

7. Papel dos advogados – aplicação analógica do incidente de uniformização de jurisprudência

Embora a legitimidade, como se disse, seja exclusiva do juiz relator, nada impede que os advogados nas razões de recurso ou em contra-razões, ou, ainda, em petição avulsa até o momento da publicação da pauta, apresentem prova suficiente para demonstrar a existência de relevante questão de direito. Essa possibilidade, mutatis mutandis, é reconhecida no regimento interno do E. TRT da 9.ª Região na hipótese de uniformização de jurisprudência (art. 96 e parágrafo único).

8. Procedimento a ser adotado pelas Turmas no TRT

Ao contrário do procedimento adotado no sistema tradicional (arts. 97 a 100 do RI do TRT da 9ª Reg.), na inovadora alteração do incidente de “uniformização da jurisprudência intramuros” (conforme denominação dada pelo Prof. José Rogério Cruz e Tucci. ob. cit., p. 87, e mencionada pelo Prof. Cândido Rangel Dinamarco, ob. cit. p. 137), o “Código de Processo Civil abre caminho para a solução mais ágil e coerente com o sistema, ao falar da aceitação da competência pelo colegiado de maior envergadura, sem qualquer alusão a uma possível participação da câmara ou turma para fins de concretização de sua competência” (DINAMARCO, Cândido Rangel. ob. cit. p. 142).

Essa orientação, que pensamos ser a melhor, encontra divergência doutrinária (TUCCI, item 3 retro e, NELSON e ROSA NERY, CPC Comentado. 6 ed. p. 88).

Assim, propondo o relator, perante a Turma, esta, pelo seu Presidente, em sessão, apenas determinaria o encaminhamento ao Tribunal Pleno, pois cabe a este verificar a presença, ou não, da relevante questão de direito e o interesse público na assunção de competência. Esse tema será, no entanto, pacificado apenas pelo tempo.

9. Procedimento no Pleno

Chegando os autos no Tribunal Pleno, e havendo silêncio da norma, “deve ser mantido o mesmo relator, desde que integrante do colegiado maior que vai julgar a questão. Se o relator não integrar o órgão, tem-se, por força de compreensão, que promover nova distribuição entre os membros respectivos” (FADEL, Sergio Sahione. Breves anotações à Lei n.º 10.352, de 26 de dezembro de 2001 e à Lei n.º 10.358, de 27 de desembro de 2001. Caderno de Estudos. Encarte da Revista In Verbis – n.º 24. ano 7. p. 344).

A única possibilidade de mudança do relator é quando este for convocado, hipótese na qual deve ser feita distribuição a juiz efetivo, integrante do Pleno (§ 1.º do art. 3.º, art. 15 e § 2.º do art. 38 do RI do TRT da 9.ª Reg.).

10. Conclusão

Estamos convencidos que esse novo instrumento, mais dinâmico que o tradicional incidente de uniformização de jurisprudência, poderá, se bem utilizado, se transformar em formidável meio de cristalização dos julgados e de celeridade nos julgamentos, em conseqüência.

O Tribunal Regional do Trabalho da 9.ª Região dá, através da inserção em seu Regimento Interno dessa regra, notável contributo ao reconhecimento dos novos tempos, afinado com as recentes alterações no processo civil.

Luiz Eduardo Gunther

é juiz no Tribunal Regional do Trabalho da 9.ª Região.

Cristina Maria Navarro Zornig

é assessora no Tribunal Regional do Trabalho da 9.ª Região.

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