O pescador Moacir Francisco do Nascimento, de 77 anos, não precisou fincar uma placa de "propriedade particular" na areia da Praia do Coelho para provar que é dono de parte da Ilha do Sandri, na Baía da Ilha Grande, em Angra dos Reis, onde nasceu e criou os seis filhos. Ao contrário de outros proprietários de ilhas na região de Angra e Paraty, no Rio, admite a possibilidade de receber uma indenização para deixar o lugar. Mas avisa que não sai por menos de R$ 250 mil. "Deus deixou o céu, a terra e o mar. A terra é de quem ocupa. Isso aqui é posse imperial, ninguém derruba.
Dezesseis anos após a criação da Estação Ecológica de Tamoios, nas Baías da Ilha Grande e de Paraty, o governo federal decidiu retomar as 29 ilhas da reserva – oito delas com construções. Pela primeira vez é feito um trabalho conjunto de regularização fundiária com a participação do Ministério Público Federal (MPF) da Secretaria do Patrimônio da União (SPU) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
O pescador diz que, se receber o dinheiro, entrega "a chave" em 90 dias e atravessa o mar – a praia fica em frente ao continente com vista para as usinas nucleares de Angra.
"Estou pagando penitência tomando conta do Sandri. Senão, isso estava lotado de gente de dinheiro", declarou. Ele afirmou já ter enfrentado cinco pistoleiros que queriam tomar a ilha e vendê-la. "Entraram em casa, mas não tremi." Moacir mora na ilha com a mulher, Maria de Fátima, e aluga quartos, principalmente no verão. "Quero trabalhar com a pureza e a verdade.
A estação foi criada pelo decreto 98.864, de 23 de janeiro de 1990, com dois objetivos: preservação da natureza e realização de pesquisas científicas. A visitação pública é proibida, exceto com objetivo educacional.
A área da estação, que abrange um quilômetro do entorno marinho das 29 ilhas, é considerada de proteção integral. De acordo com a legislação, áreas particulares incluídas nos seus limites serão desapropriadas, com pagamento de indenização aos moradores que chegaram ao local antes de 1990, como seu Moacir. O pescador avalia, porém, que "o abacaxi ainda tem umas sete camadas de casca para tirar.
O plano de manejo da estação foi elaborado este ano, com dinheiro de compensação ambiental decorrente da construção da usina nuclear Angra 2.
O primeiro passo é a regularização fundiária. A chefe da estação ecológica, Sylvia Chada, diz que não vai arrumar confusão com todos de uma só vez. Pretende começar pelas ilhas que não têm registro de ocupação na SPU. "São 14 ilhas, que terão a situação definida até fevereiro", declarou o gerente da SPU no Rio, Paulo Simões.
O problema é que, mesmo sem inscrição na SPU, houve transações de compra e venda registradas em cartórios. "Existe um comércio milionário de ilhas na região. Gente que ganha muito dinheiro e depois o dono não pode fazer nada", declarou Sylvia. "Mesmo nos casos em que houve boa fé, não vamos indenizar transação sem base legal.