Uma rede de engulhos

A podridão que escorre, aos borbotões, pelos esgotos de alguns segmentos sociais, nos quais instintos abomináveis são capitaneados pela volúpia do lucro criminoso, acaba de escancarar uma escabrosa máscara. A Operação Hurricane (Furação), da Polícia Federal, conseguiu desbaratar uma rede formada por bicheiros, magistrados, delegados e advogados, acusados de formação de quadrilha para a exploração ilegal de máquinas caça-níqueis.

A operação está centralizada em Brasília, para onde foram levados os 25 presos, dentre os quais a tríade do jogo do bicho do Rio (Capitão Guimarães, Anísio Abrahão David e Antônio Petrus Kalil), dois desembargadores federais, juízes, delegados e advogados. Houve também a apreensão de 51 veículos avaliados em R$ 10 milhões, muito dinheiro vivo e duas toneladas de documentos, nos quais a PF presume levantar ramificações da quadrilha em outros estados.

Na virada do século, o sociólogo Manuel Castells, professor da Universidade Berkeley, na Califórnia, no livro Fim de milênio, já afirmava, a partir da atuação em rede dos cartéis da droga na América Latina, que o crime organizado criara ?suas próprias unidades de operação e defesa, além de esquemas independentes de lavagem de dinheiro. Favorecera também a entrada da polícia, do sistema judicial e dos políticos em uma vasta rede de influência e corrupção que mudou a face da política latino-americana e ainda terá influência duradoura nos próximos anos?.

A clara intuição do sociólogo, baseada em exaustiva investigação do estágio alarmante atingido então pelo crime organizado, no Brasil, demorou menos de uma década para supurar a horrenda ferida ferreteada pela Polícia Federal.

O inquérito está correndo em segredo de Justiça e, até ontem, advogados dos presos não haviam obtido permissão para avistar-se com seus clientes, recorrendo ao STF sob a alegação de suposto cerceamento à defesa.

A análise dos documentos em poder da PF, contudo, pode devassar ainda mais a nauseante trama que uniu contraventores, aliás, com passagens inúmeras pelos cárceres cariocas (que os retiveram no exíguo limite imposto por branda legislação), a autoridades investidas pelo aparelho de Estado da responsabilidade de zelar pelo bem-estar da sociedade. É de causar engulhos.

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