A legislação da televisão por radiodifusão é um caos, razão pela qual se impõe a sua modificação, ainda mais justificada no novo cenário inaugurado pelo Sistema Brasileiro de Televisão Digital. É um conjunto desordenado de leis, decretos, portarias, atos administrativos, muitos dos quais contrários à Constituição de 1988. Na prática a sua aplicação causa inúmeros problemas a todos os interessados: emissoras, poder público e telespectadores.
A Lei n.º 4.117, que trata dos serviços de tevê por radiodifusão, é do ano de 1962 e se encontra em vigor. A referida lei está totalmente ultrapassada do ponto de vista histórico, social, tecnológico, econômico e jurídico. No âmbito do direito é importante destacar que a Constituição de 1988 afirmou um conjunto de regras e princípios para a produção e a programação das tevês. Há a garantia do regime de direitos fundamentais (liberdades de expressão e artística, informação, comunicação, educação, cultura etc.) que vincula a atividade de televisão. No entanto, a vigente lei da radiodifusão não atende aos dispositivos constitucionais, daí a necessidade de sua revisão e o estabelecimento de um novo marco regulatório. Uma nova lei para regular os serviços de tevê por radiodifusão se impõe para atender a três necessidades básicas. Primeiro, as emissoras de tevê carecem de segurança jurídica para a realização de investimentos em um mercado dinâmico em constante transformação, particularmente em um cenário de convergência de tecnologias e a ameaça da entrada das empresas de telecomunicações no setor. As empresas precisam de regras claras para a estruturação de seu modelo de negócios e para a prestação de serviços adequados para o público, quiçá mais incentivos para a efetivação da TV Digital. Segundo, o público-telespectador, embora protegido pela Constituição, não tem na velha lei reconhecidos os seus respectivos direitos fundamentais. Terceiro, as novas regras são necessárias para o poder público, pois em um Estado Democrático de Direito é essencial a imposição de limites definidos para a atuação da administração pública, para evitar que abusos sejam cometidos pelo poder estatal em detrimento dos interesses das emissoras e do público. Quarto, uma importante questão a ser enfrentada consiste na utilização da noção clássica de serviço público em relação à televisão por radiodifusão. Entendo que a partir da Constituição de 1988 não é mais possível justificar a aplicação do regime de concessão de serviço público para as tevês privadas, razão pela qual deve ser substituído pelo regime de autorização administrativa. O instituto do serviço público deve ser reservado para as tevês estatais e públicas. Diferentemente do que o senso comum diz, uma tevê estatal não pode ser confundida com a tevê pública. Além disso, deve ser redefinido o papel do serviço público para as tevês estatais e públicas. A discussão livre, aberta e plural da nova lei para as comunicações representará um avanço histórico, o que fortalecerá ainda mais a democracia brasileira.
Ericson Meister Scorsim é advogado. Doutor em Direito – USP. Autor do livro TV Digital e Comunicação Social: Editora Fórum. www.tvdigital.adv.br