Uma literatura pós-nacional

Das vanguardas ao existencialismo, da estética do absurdo ao realismo mágico, o romance hispano-americano participa das principais tendências da arte e do pensamento ocidental do século XX. Tomando como matéria-prima cem anos de tensões, de contínuas e irreconciliáveis contradições entre guerra e paz, utopia e niilismo, modernidade e pós-modernidade, o romance da América espanhola do século XX forja uma realidade repleta de antinomias, de antagonismos e ambigüidades que dificilmente podem ser apreendidos por uma única disciplina acadêmica.

O romance hispano-americano é invariavelmente multidisciplinar: o regionalismo de Ricardo Güiraldes e Rómulo, Gallegos e política; a vanguarda de Roberto Art e Vicente Huidobro é estética; o existencialismo de Eduardo Mallea e Juan Carlos Onetti é filosofia; o realismo mágico de Garcia Márquez e Reinadlo Arenas é ideologia.

Constrói-se, assim, o retrato de um todo. Uma literatura que reflete as múltiplas facetas da práxis humana e se define como um exercício de apreensão que transcede o particular e o contingente para envolver a amplitude de um processo dialético que se move tanto na teleologia retilínea dos mais otimistas, como nos círculos concêntricos que descendem à fatalidade e ao caos dos niilistas.

Esse todo é antes de mais nada supranacional: o romance da América espanhola não é só a soma daquilo que se produz no Chile e México, na Argentina e em Cuba. Longe disso, é resultado de um processo vivo de interação, facilitado pelo cosmopolitismo que vai tomando forma na vivência européia dos autores mais regionalistas, passa pela manipulação das estratégias de marketing de editoras catalãs e alcança a total universidade na obra de escritores/diplomatas formados em universidades norte-americanas.

É assim que o estudo do romance hispano-americano se propõe como um esforço de integração. Como exemplo e prática, oferece a possibilidade de transcender fronteiras traçadas por linhas políticas de exclusão, de suprimir os nacionalismos mais chovinistas, de adentrar o espaço do que se considera o outro e encontrar ali o reflexo de si mesmo. A mirada à América espanhola por meio da sua literatura será então a tomada de uma postura intelectual universalista, kantiana, um pouco idealista, sem dúvida, mas, certamente, vantajosa na experiência da diversidade e na riqueza do conhecimento.

Roberto Pinheiro Machado

, doutor pela Universidade de Salamanca, ministra, aos sábados, na Pontifícia Universidade Católica do Paraná, o curso sobre O Romance hispano-americano no séxulo XX.

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