Uma juíza brasileira no Tribunal Penal Internacional

Na semana de 3 a 7 de fevereiro de 2003 aconteceu em Nova York a primeira sessão da Assembléia dos países membros do Tribunal Penal Internacional (TPI). Para o Brasil, o grande acontecimento foi a eleição da desembargadora federal de São Paulo, Sylvia Steiner, como uma das juízas da futura corte.

Ao todo foram escolhidos 18 juízes, dentre os 43 indicados pelos estados. Dos 43, 10 eram mulheres e 33 eram homens, sendo, do total, 8 vindos da América Latina e Caribe, 10 da África, 6 da Ásia, 12 da Europa Ocidental e 7 do Leste Europeu.

Em reunião anterior da Assembléia, decidiu-se que o procedimento de votação asseguraria uma eqüidade de representação regional, de sistema legal e de gênero. Isso decorreu de inúmeras manifestações de Organizações Não Governamentais (ONGs), que lutaram para afastar as escolhas políticas e optar-se pelos candidatos mais qualificados, através de um pleito legítimo e transparente, livre das costumeiras barganhas políticas e econômicas. Um grande avanço nessa questão do gênero foi o estabelecimento do requisito de votação mínima em 6 mulheres.

A escolha de Sylvia Steiner representou o acolhimento da tese que defende o aumento da participação das mulheres nos tribunais internacionais. Atualmente não há nenhuma mulher atuando como juíza no Tribunal Internacional para o Direito do Mar, apenas uma na Corte Internacional de Justiça, uma no Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia e três no Tribunal Penal Internacional para Ruanda.

Quanto ao TPI, seu próprio tratado institutivo prevê a competência para julgar uma série de crimes cometidos contra as mulheres, um motivo a mais para não as excluir do processo de julgamento. O artigo 8.º, que trata dos crimes de guerra, inclui “Cometer atos de violação, escravidão sexual, prostituição forçada, gravidez forçada (limpeza étnica), esterilização forçada ou qualquer outra forma de violência sexual que constitua também uma violação grave do artigo 3 comum às quatro Convenções de Genebra.” (art. 8, 2, e, vi)

A composição final do TPI reforça o amplo espaço que o Brasil vem adquirindo no cenário internacional, haja vista que possui juízes em todas as cortes internacionais permanentes, como é o caso de Antonio Augusto Cançado Trindade, juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos; de Francisco Rezek, juiz da Corte Internacional de Justiça da Haia; e Vicente Marotta Rangel, juiz do Tribunal Internacional para o Direito do Mar.

A criação do TPI foi prevista em 1998 no Tratado de Roma, que entrou em vigor em 1.º de julho de 2002, quando ocorreu a 60.” ratificação. O TPI julgará indivíduos que, a partir daquela data, cometerem genocídio, crimes de guerra e crimes contra a humanidade, quando não forem julgados por seus tribunais nacionais. A previsão para sua instalação é agosto de 2003 e sua sede será na cidade da Haia, mantendo a forte tradição da Holanda em matéria de Direito Internacional. Ele será a primeira corte criminal permanente, tendo em vista que os outros tribunais existentes foram criados pelo Conselho de Segurança da ONU de forma transitória, apenas para julgar determinados fatos, como é o caso do Tribunal Internacional para julgar os crimes cometidos na ex-Iugoslávia e o Tribunal para julgar os crimes cometidos em Ruanda.

Atualmente, 88 países já ratificaram o Tratado de Roma, o que tem gerado um ambiente de otimismo entre os teóricos e os militantes na área de direitos humanos. Mas ainda há muito a ser feito. Desses 88, apenas 5 Estados elaboraram legislação doméstica para regulamentar a implementação interna do estatuto do TPI

Em se tratando dos demais países, destaca-se a ausência de importantes atores do cenário internacional, como os Estados Unidos, Rússia, China e os Estados árabes. Dentre estes, a grande maioria chegou a assinar o Tratado mas apenas a Jordânia o ratificou.

Os EUA, sobretudo no governo Bush, têm se mostrado como os grandes opositores ao TPI. Chegaram a assinar o Estatuto de Roma em 31 de dezembro de 2000, no final do mandato de Bill Clinton, mas retrocederam ao retirar tal assinatura em 6 de maio de 2002. Além das inúmeras manifestações expressas contrárias à ratificação do tratado, o governo americano está forçando países a assinarem acordos bilaterais prevendo imunidade para cidadãos americanos. Ao todo, 17 países já fizeram tais acordos. Internamente, o Congresso Norte-americano está editando uma ampla legislação visando a proteger e evitar que membros das Forças Armadas sejam julgados pelo TPI, inclusive prevendo o uso da força na realização dessa tarefa.

Os Estados Unidos pela primeira vez deixaram de indicar um juiz para compor uma corte mundial. Demonstram novamente sua opção atual por uma linha política egoísta e prepotente, que desrespeita princípios fundamentais do Direito Internacional, como o da solução pacífica dos conflitos, e ignora o papel das Organizações Internacionais como responsáveis pela manutenção da paz e segurança internacionais.

O estabelecimento do TPI e a definição de seus membros provam que o caminho para as relações internacionais contemporâneas deve ser trilhado pelas vias em que há a prevalência do Direito, em detrimento da força. O futuro de cada país pertence ao seu povo e não deve ficar subjugado às decisões unilaterais de uma única nação estrangeira. O destino dos ditadores que violam direitos humanos é o banco dos réus de tribunais, onde serão julgados por juízes competentes, isentos e conscientes, tal como Sylvia Steiner.

Tatyana Scheila Friedrich

é advogada, mestre pela UFPR e professora de Direito Internacional Público no curso de Direito das Faculdades Curitiba e no curso de Relações Internacionais da Universidade Tuiuti.

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