A herança deixada pelo ex-ministro da Educação foi muito pesada.
Vejamos de forma objetiva:
O próprio Conselho Nacional de Educação sofreu o impacto do egocentrismo centralista que limitou sua contribuição para o desenho de cenários desejáveis para o desenvolvimento da educação no país.
A inobservância dos princípios fundamentais da soberania e da autonomia nas instituições de ensino superior públicas e privadas acentuou um quadro de crise na educação superior, com a prática arbitrária e autocrática da desordem legal.
As conseqüências se espalharam com a falência do modelo de Avaliação Institucional e da Avaliação das Condições de Ensino; do Provão como medida de certificação de qualidade, apesar das 24 áreas de graduação, 5 mil cursos e 395,9 mil alunos, envolvidos em 2002; falência do crédito educativo: 700 mil se inscreveram e 187 mil foram beneficiados; da capacidade de financiamento e intervenção no financiamento privado, estimulando e favorecendo a inadimplência que beira os 40%. Inviabilizou-se definitivamente a pesquisa nas universidades privadas por falta de financiamento.
Não tínhamos, como ainda não temos, uma política de educação superior, em forma de sistema. Operamos todo o tempo no horizonte de incertezas.
Podemos dizer que sobrevivemos a uma explosão estatística, com crescimento desordenado e descontrolado da oferta de vagas.
Vendeu-se ao país que nós, das universidades particulares, estávamos acumpliciados com tal explosão estatística, inclusive com argumentos banais de lucratividade.
Esqueceram porém de dizer a verdade.
Tínhamos e temos responsabilidades históricas no nosso processo de desenvolvimento e, por nossos próprios meios, geramos condições para receber apenas uma parcela dos egressos do nível médio. Em 2001, para os 2,2 milhões que concluíram o ensino médio, havia 1,4 milhão de vagas no ensino superior;
A redução da participação relativa do MEC no orçamento da União em investimento e custeio levou ao sucateamento das 55 universidades federais com falta de 8 mil professores, em dezembro de 2002, podendo chegar a 16 mil, em dez de 2003, e dos 154 hospitais escolas responsáveis por 50% das cirurgias cardíacas realizadas no país, acumulando dívidas de R$ 250 milhões e falta de 8 mil paramédicos.
No ensino fundamental, onde 41% não terminam a escolarização e os 59% que terminam levam 10,2 anos, a fragilidade nos envergonha pelo mundo afora, o mesmo acontecendo com o ensino médio e tecnológico, que cravou uma carência de 771 mil professores.
Como se observa, o legado é muito mais perverso que nossa vã imaginação supunha.
Escassez de recursos frustraram as expectativas para que a Capes pudesse desempenhar suas funções no aperfeiçoamento profissional. Aliás, trata-se de um padecimento secular.
Nem mesmo o Inep teve condições para o desempenho de sua missão institucional. Em determinados momentos, faltaram-lhe recursos mínimos para fazer avaliação e pagar avaliadores!
A opinião pública, mesmo a acadêmica, lamentavelmente não sabe o que se passou entre 1994-2002. Submetemo-nos a uma longa noite de silêncio e deixamos que o Império trombeteasse suas glórias. É falsa a premissa que fomos solicitadores e beneficiários das ações marqueteiras como é falsa a idéia que somos contrários à concorrência.
Basta contemplar os escombros do falso modelo, adotado sem consulta e diálogo.
Seu sucessor, induzido, como a maioria dos brasileiros, a ver um quadro de “políticas consistentes” no MEC, sente-se impactado pela montanha de escombros, com o agravo de orçamento curto e contingenciado, amarras burocráticas e entraves gerenciais.
Idéias tem e muitas delas coincidem com as nossas.
A dissensão que enfrentamos, como efeito perverso da falta de uma política, nos recomenda prudência para identificarmos alternativas, que estão no mercado e no marco regulatório. O Estado provedor acabou. O Estado indutor e regulador está presente nas nossas vidas, na trajetória de educação e na missão de civilização.
Há espaço para universidades, centros universitários, instituições isoladas, confessionais e comunitárias, filantrópicas ou lucrativas. O dobro ou triplo delas, com 2.400/4.800 instituições e 4/8 milhões de alunos, com crescimento médio das matrículas entre 10% e 12% ao ano, ainda seria pouco para que o Brasil supere a distância que nos separa dos países do 1.º mundo.
Portanto, as filigranas jurídicas que nos desgastam devem ser substituídas por um novo paradigma de nos unirmos para que a universidade particular se consolide como modelo para um novo país. Nem acima nem abaixo do Estado, mas na linha da ecologia humana.
Vamos baixar os braços, superar as divergências e focar o nosso papel no processo de desenvolvimento. Se for possível, redesenhar com o MEC o modelo de ensino superior do Estado indutor. Se não for, seguir à distância do Estado, nossa caminhada centenária, com um belo acervo de realizações e progressos científicos e tecnológicos, desempenhando o papel que a Constituição de 1988 nos assegura.
Heitor Pinto Filho
é reitor da Uniban e presidente da Associação Nacional das Universidades Particulares Anup.