Transcorrido um mês desde que as primeiras bombas despencaram sobre o Iraque, hoje destruído e dominado, a “coalizão” anglo-americana começa a se dar conta de que a guerra inteira pode ter saído pela culatra.
As apocalípticas armas químicas e biológicas de Saddam, pretexto “palpável” para a invasão, até agora não foram encontradas, apesar da boa vontade do New York Times, que na segunda publicou reportagem em que um suposto (e anônimo) cientista iraquiano afirmava que as tais armas teriam sido destruídas pouco antes do início da guerra.
Pior: concorrente do New York Times, o Washington Post informou no mesmo dia que no ano passado autoridades americanas é que foram procuradas pelo cientista sul-africano Dan Goose, que oferecia armas biológicas desenvolvidas durante o apartheid. E o FBI só não teria feito o negócio por considerar o preço, 5 milhões de dólares mais o visto de imigração para Goose e 19 parentes, alto. Ou seja: há um mercado oficial de armas biológicas na África do Sul, nas barbas (e com o consentimento) dos “falcões” da Casa Branca. Teriam eles coragem de despejar suas “bombas inteligentes” sobre a terra de Nelson Mandela?
De Saddam Hussein, seus filhos e assessores mais próximos, a exemplo do “Inimigo Número Um” Osama bin Laden, nem sinal. E o império anglo-americano ainda carrega o monumental ônus das mortes de civis, dos hediondos ataques contra jornalistas e do “fogo amigo”. Sem falar no recrudescimento do sentimento antiamericano, despertado até em nações e povos aliados.
Mas nada pode ser tão desastroso para os Estados Unidos do que a investida dos xiitas, que aproveitam o caos deixado pela derrubada de Saddam para tentar chegar ao poder. Um exemplo foi o caso de Mohammad Mohsen al-Zubaidi, integrante do Congresso Nacional Iraquiano (principal grupo de oposição do regime deposto) que na semana passada apareceu em Bagdá dizendo ter sido nomeado por um conselho de “dignitários e intelectuais” sunitas, xiitas e cristãos, e se revestiu da autoridade na cidade.
Na segunda o general da reserva Jay Garner, representante dos Estados Unidos no Iraque, tentava botar ordem no galinheiro, reiterando que é ele quem manda no país hoje. A resposta de al-Zubaidi na TV Al-Jazira foi emblemática: “Bush disse que cabe aos iraquianos elegerem seus representantes. Eu fui eleito, não nomeado pelos EUA”.
Enquanto isso, os partidos xiitas do sul, ligados ao Irã, preparam uma grande conferência em Bagdá, a ser realizada dentro de dez dias. “Seremos mais de mil e existem muitos temas a serem discutidos. E o último deles não é o futuro constitucional e o novo governo”, já adiantou um porta-voz do Conselho Supremo para a Revolução Islâmica no Iraque, que vai participar do evento.
A alternativa de Washington deve ser prolongar a ocupação do Iraque por vários meses ou até anos, o que só deve acirrar os ânimos e estimular o debate político nas mesquitas, terreno altamente fértil para florescimento de uma teocracia islâmica xiita, alinhada ao Irã e hostil aos Estados Unidos. Foi justamente esse o motivo que teria levado George Bush, o pai, a desistir da deposição de Saddam em 1991. O raciocínio era: melhor um Saddam domesticado do que duas nações xiitas radicais contra nós no Golfo Pérsico. E agora, Júnior?
Luigi Poniwass (Luigi@pron.com.br) é repórter do Almanaque em O Estado.