Marta Morais da Costa

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Para Renata Mele

Aliocha Mauricio/O Estado
Me aproximo devagar e espio em outra porta aberta: muitas crianças e uma mulher que canta com elas: ?Chá, chás, ch..?.

Aproximei-me com cuidado da porta da frente da casa. Espiei o interior. Livros, revistas, folhetos espalhados. Ao fundo, algumas cadeiras coloridas. Uns quadros escritos em cores vivas. A seu lado, surgida como por encanto, a moça de olhos brilhantes e sorriso de acolhimento.
 

– Que casa é esta? Pergunto rapidamente, temendo ver evaporar-se aquela figura solícita.

– Esta é a Casa da Leitura, sorriu novamente.

Ah, deve ser aqui que mora aquele monstro com o qual a professora me ameaça diariamente. Quem não lê, não aprende. Quem não aprende, não vai ser nada na vida. As palavras surgem rapidamente da memória. E quando lembra delas, penso no pai, analfabeto, mas ele é tantas coisas: o melhor pescador da vizinhança, consertador de todas as bicicletas do bairro, músico e cantor de ouvido, um baita jogador de futebol, e ainda por cima, um contador de piadas em tempo integral. É verdade que não sabe ler, mas não parece sentir falta disso. Ao contrário, está sempre cheio de coisas para fazer. E é seu pai: quer um jeito de ser mais importante?

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Estico o pescoço para dentro da pequena sala, curioso e desafiador. Quero ver onde mora esse monstro mentiroso!, desejou intensamente. A moça se apresentou: ?Sou a Angelina. Quer conhecer a casa??. Nem espero a última sílaba e já estou no cômodo ao lado. O que era aquela enorme quantidade de livros nos armários? Nem minha escola tinha tantos! E as almofadas? As banquetas? A cadeira de lona? Será que a idéia era sentar e ler à vontade? Acreditava que a leitura pede uma cadeira dura, uma mesa, alguma luz. Sentar no chão deve fazer a pessoa ficar mal acomodada e as palavras não entram na cabeça. As poucas vezes em que tivera um livro nas mãos, mesa e cadeira vinham junto. Estranho, muito estranho!

Computadores? Até aqui? Angelina dissera ?casa da leitura?? Ela pareceu entender o menino, porque explicou que o texto do computador também está ali para ser lido. E que é possível encontrar através do computador muitas informações sobre livro e leitura. Está bem: vou acreditar nela.

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O que faz uma cozinha numa casa de leitura? Em lugar dos alimentos, mais livros, mais frases, mais palavras. Começou a entender melhor a casa: a leitura estava em todos os cantos, tão necessária como o ar e a luz que entravam pelas janelas abertas.

– Você já viu lá em cima?

Não era mais a Angelina. Mas os olhos brilhantes eram os mesmos.

– Sou a Dilma. Por que não sobe e vai conhecer o sótão?

Que palavra mais complicada: sótão, soltam, sou tão. Subo entre palavras e começo a me sentir meio explorador do desconhecido. A porta diminui e fica mais próxima de mim: entro numa sala linda, com tapetes, mais almofadas, e um convite a mais leitura, que se debruça sobre mim de livros colocados a meu lado e sobre minha cabeça. Um mais bonito que o outro: gatos, bruxas, crianças, anões e fadas convidam-me nas capas coloridas. Pego um, folheio, fecho. Pego outro, folheio, fecho. Um terceiro: pego, pego, leio, leio, prendo entre as mãos, recomeço, leio, folheio, abro, folheio, fecho. Dá vontade de guardar em mim.

Ouço vozes que vêm da construção ao lado. Parecem crianças. Desço e Dilma me aponta uma outra escada quase escondida. As vozes ficam mais fortes: cantam. Me aproximo devagar e espio em outra porta aberta: muitas crianças e uma mulher que canta com elas: ?Chá, chás, ch..? O que fazem ali essas crianças? Posso fazer também, seja o que for? Sorriem e cantam: deve ser gostoso e divertido?

Quando param de cantar descubro que estavam ouvindo histórias, também quero ouvir? Mas continuo achando muito estranha essa casa? O sol entra pela porta; a voz da contadora fica amarela também; e as histórias ganham uma cor dourada que inunda meus olhos e, finalmente, vejo: a leitura passou a morar naquela casa: e eu me encantei com ela.