O poeta T. S. Eliot diz que abril é o mais cruel dos meses. O poema é bom, mas a alusão não faz sentido em Portugal. Abril talvez seja o mais venturoso dos meses em Portugal. Foi em 25 de abril de 1974 que o país, embalado pela canção Grândola Vila Morena, de José Afonso, deflagrou a Revolução dos Cravos e entrou na era moderna, seguindo boa parte da Europa. Ex-combatentes das colônias ultramarinas colocaram os tanques nas ruas e o povo se juntou a eles. O salazarismo caiu, meio a nocaute, meio de podre.

Portugal bem que tentou segurar as colônias ultramarinas, principalmente Angola, rica em minérios, petróleo e café, e Moçambique. Não deu. Se França e Inglaterra não conseguiram, mais difícil Portugal, arremedo atrasado de império colonial, governado por um salazarismo beato, resquício do fascismo na Europa. A revolução embrenhou-se nos excessos românticos comuns a quase todas as revoluções. E, após hesitações, o país entrou nos trilhos de uma democracia moderna.

Fenômeno semelhante ocorreu na Espanha, onde o franquismo caiu de podre, com o corpo putrefato de Francisco Franco. O mais curioso é que a nova Espanha foi engendrada pelo mesmo Franco que manteve o país décadas no atraso. O plano incluía a restauração da monarquia. Se Portugal rompeu de forma violenta com o passado, o processo na Espanha foi pragmático. E deu certo. O rei Juan Carlos no primeiro momento parecia destinado a ser um enfeite, mas ele mostrou sua utilidade ao reprimir uma tentativa de golpe militar, assegurando a democracia. A partir desse dia se tornou verdadeiro rei.

E a Espanha, conduzida por socialistas competentes, rompeu as cortinas do atraso e se tornou uma nação economicamente forte. Portugal e Espanha entraram no século 21 como nações modernas, em contraste com o que foram a maior parte do século 20. Por isso esse 25 de abril serve de reflexão também no outro lado do Atlântico. Porque as duas nações ibéricas livraram-se do atraso e se modernizaram, atingiram um grau de desenvolvimento compatível com as suas necessidades e o mesmo não ocorre com o Brasil? Por que a Argentina era rica no começo do século passado e no começo deste século é pobre? Porque o México fez uma revolução autêntica e mais de 70 anos depois encontra-se na condição de pedinte dos Estados Unidos?

Boas perguntas. Para as quais não se encontram respostas definitivas. Sim, há em nossos países uma estrutura administrativa tacanha e arrogante, herança colonial. Há uma elite, sem passado de glória como os orientais, feroz com seu povo e de joelhos perante o estrangeiro. Mas há, também, outro detalhe. A Europa quis inserir Portugal e Espanha no rol das nações modernas e pagou um preço. Assim como os Estados Unidos pagaram o preço da reconstrução da Europa e do Japão no pós-guerra. Esses mesmos primos ricos, os Estados Unidos, nunca manifestaram o mesmo interesse com o resto das Américas, à exceção do Canadá. Na realidade, revela-se um interesse oposto.

Por isso, a bela revolução portuguesa e a restauração espanhola soam como exemplos distantes e o distante Vietnã parece familiar. Não há solidariedade por perto, temos de enfrentar em nosso território os interesses americanos e a corrupção de nossa elite. No entanto, se quisermos romper com o atraso teremos de encontrar a nossa fórmula, a nossa revolução, porque sem ela não sairemos de onde estamos. Lutar vale a pena. Os vietnamitas que o digam.

Edilson Pereira (edilsonpereira@pron.com.br) é editor em O Estado

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