Um novo Código de Processo Penal está em fase de aprovação no Senado. E esta é a hora (ainda é!) de discutir o que vem por aí pois, disso que vem, ninguém escapa: as normas processuais penais (às quais o cidadão comum talvez não dispensasse atenção, na crença de que não lhe podem tocar ou de que não lhe dizem respeito), também vão pegar você. Ora, pela isonomia constitucional, uma lei de tal porte é, ou deveria ser, para todos. As normas processuais penais poderiam parecer apenas do interesse de “bandido”? ou de uma sociedade cuja política criminal consistiria em trabalhar para penalizar e punir com eficiência e de forma estigmatizada (pela qual se acredita que aprisionar, ou seja, mandar gente para a cadeia, resolveria toda a sorte de problemas do mundo). A rigor, o sistema de normas processuais penais são do mais elevado interesse de todo cidadão: tais dispositivos devem (ou deveriam) garantir a todos a efetividade de um processo (justo, devido, contraditório) antes de qualquer decisão de natureza penal, sendo que, ser processado em âmbito penal no Brasil de hoje não é luxo de bandido nem é luxo de pobre. Longe disso: a lógica pela qual se crê numa “resolução do problema da criminalidade”? através da penalização de mais e mais condutas, dando-se vida a um efetivo direito penal maximizado, é a que prevalece. A par o fato de que ser processado em âmbito penal é já, em si, uma pena, vale registrar: cadeia, como diz o Mestre, não é lugar para pobre ou para rico: cadeia é lugar para culpado, para aqueles que – garantida a ampla defesa e presunção de inocência, para além dos demais princípios decorrentes da matriz acusatória consignada na Constituição da República de 1988 -, a culpa fora (re)conhecida pelo órgão jurisdicional competente em sentença transitada em julgado.

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Ora, o atual Código de Processo Penal deveria, por óbvio, ser interpretado de acordo com os postulados trazidos pela Constituição da República de 1988. Mas não é o que ocorre. Nem mesmo depois de uma série de leis, inclusive recentes, que alteraram a redação original de vários dispositivos do CPP, em vigor desde 1941 (cuja inspiração originária fora o Codice Rocco, italiano, de 1930). Não obstante tais alterações pontuais no CPP, o princípio dispositivo que deve, segundo a CR, reger o sistema processual penal, segue inviabilizado, pois a estrutura processual penal permanece amarrada pelo princípio inquisitivo.

A Comissão de juristas responsável pelo Projeto 156/2009-PLS procurou cumprir a Constituição da República através da redação do que pode vir a ser o novo CPP. Para de fato inovar, o que se tentou foi mudar a matriz do sistema processual penal brasileiro, hoje estruturado pelo princípio inquisitivo (o que se percebe ao analisar a quem compete a gestão da prova). Ora, o atual CPP, permite ao juiz que atue como gestor da prova e, nessa medida, inviabiliza a eqüidistância que deveria manter em relação às partes e põe em evidência o ranço inquisitorial do processo. O Projeto, por sua vez, confere às partes o ônus de fazer prova, na linha do que poderia começar a alterar a matriz do sistema, embora permita ao juiz a iniciativa probatória quando em favor do réu. Para além dos outros todos, esse dispositivo precisa e merece ser debatido. Afinal, mesmo os membros da Comissão divergem sobre o acerto da redação que prevaleceu (não apenas sobre essa problemática). Agora, “em favor do réu”?, vale sempre perguntar, na linha de Agostinho Ramalho Marques Neto: e quem é que nos salva, na qualidade de réus em potencial, dessa tal bondade dos bons?

Portanto, se o atual CPP está em vias de ser substituído pelo Projeto de Lei 156/2009-PLS, não se pode deixar passar em branco a necessidade imperiosa de discutir agora esse possível futuro diploma. É o que se fará, primeiro em Curitiba, dias 27 e 28 próximos, no padrão de excelência acadêmico-profissional do que vem sendo construído em direito processual penal na Faculdade de Direito da UFPR, desde a posição de vanguarda do Professor Titular Doutor Jacinto Nelson de Miranda Coutinho. A rigor, o evento consiste na reunião anual que traz a público o resultado do trabalho de pesquisas científicas propiciadas pela CAPES-PROCAD. O Programa Nacional de Cooperação Acadêmica (Procad), estruturado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), tem por objetivo estimular e apoiar projetos de pesquisa nos quais diferentes Instituições de Ensino Superior (IES) atuem em conjunto, desenvolvam e diferenciem sua produção acadêmica. Nesses termos, os Programas de Pós-graduação da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e da Universidade Estácio de Sá (UNESA) fizeram-se parceiros. Sob a coordenação, orientação e iniciativa dos Professores Titular Doutor Jacinto Nelson de Miranda Coutinho (UFPR) e Titular Doutor Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho (UNESA), uma equipe de pesquisadores composta por professores, mestrandos e doutorandos dessas IES debruçou-se sobre a temática “Constituição e o Projeto 156/2009-PLS de Reforma Global do Código de Processo Penal”?.

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Os resultados dos trabalhos serão apresentados pelos próprios pesquisadores, em conferências não apenas direcionadas à comunidade acadêmico-profissional mas, na linha democrática pela qual se delineou a redação do Projeto, abertas a todos que desejem contribuir. O espaço se abre tanto em Curitiba (nos dias 27 e 28 de outubro), quanto no Rio de Janeiro (nos dias 10 e 11 de novembro). Posteriormente à apresentação e debates, os trabalhos serão publicados pela editora Lumen Juris na forma de livro. Além dos membros da equipe de pesquisa, convidados especiais, de Curitiba e de fora, prestigiam o encontro na UFPR com a explanação de estudos inéditos, os quais também constarão da referida publicação. Do Paraguai vem o Professor Doutor Christian Marcelo Bernal Duarte, para tratar da figura do juiz de garantias, uma inovação que consta do Projeto e da qual se tem experiência naquele país, dentre outros.

O Professor Doutor Renè Ariel Dotti, ilustre convidado da Casa que nos honrará com sua presença, tratará das mudanças previstas no Projeto em relação ao Tribunal do Júri. Ainda da UFPR, o Professor Doutor Paulo César Busato tratará da posição do Ministério Público, na qualidade de sujeito processual, desde a visão do Projeto. Haverá, ainda, convidados de São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Minas Gerais. Sobre a temática do Tribunal do Júri, traremos o Professor Doutor Gustavo Badaró (USP). O Professor Doutor Maurício Zanóide de Moraes (USP) aborda as medidas cautelares, da forma como foram previstas no Projeto. Por sua vez e do seu lugar de magistrado, o Professor Doutor Alexandre Morais da Rosa (Univalli) aborda o juiz como sujeito processual na ótica do Projeto. Já o Professor Doutor Aury Lopes Jr (PUCRS) versará sobre a posição do advogado na qualidade de sujeito processual. A Professora Doutora Flaviane de Magalhães Barros (PUCMinas) aborda a polêmica relação público-privado segundo a redação do Projeto.

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Assim, tanto os membros da equipe de pesquisa quanto professores convidados tem por objetivo abordar o Projeto 156/2009-PLS a partir da Constituição da República (CR). Noutras palavras, as pesquisas – expostas na forma de conferências à comunidade em geral – consistem em análises do Projeto de Lei 156/2009-PLS à luz da CR.

Expor esses trabalhos em um evento aberto e gratuito significa chamar os cidadãos (aqueles que vierem em paz) à discussão de uma estrutura que não se muda ou melhora sem que a mentalidade dos que a operam (e da sociedade em geral) se dê conta do que lhes
sobredetermina. Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, por tantas vias, dentre as quais o estudo do que se passou na Itália em 1987, quando da reforma processual penal que alterou a matriz do sistema, não nos deixa esquecer: um novo CPP, mesmo constitucionalmente fundado e democraticamente construído, não passará de linguagem se a mentalidade permanecer a mesma.

A seguir, vale conferir a programação completa, na qual se destaca a conferência do membro da equipe de pesquisadores PROCAD-UFPR-UNESA e Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Professor Titular Doutor Geraldo Prado (UNESA). Enfim, o convite está feito. Esperamos tê-los conosco. (Instruções sobre as inscrições para o encontro de Curitiba e outras informações estão disponíveis no site /www.ppgd.ufpr.br/).

Helen Hartmann é mestranda em Direito pela UFPR.

helenhartmann@hotmail.com