É como se o povo brasileiro estivesse assistindo a uma tragicomédia interminável. A cada momento surge em cena um novo ator para representar sempre o mesmo personagem, só diferente no jeito de vestir ou de pintar a cara, de acordo com o roteiro pré-escrito. O solilóquio, porém, se repete vezes sem conta, levando a platéia a fingir que acredita em quem finge ser veraz e impoluto.
Isso faz lembrar os circos mambembes de outrora, nos quais bravo e estóico ator fazia todos os papéis, de palhaço a engolidor de espadas, dando ainda espetaculosas mostras de prestidigitação, mágica e ventriloquismo. Sob a imensa lona armada em Brasília inverte-se a ordem dos fatores e, como só há um papel, o jeito é recrutar uma farândola de atores.
No circo de antanho, a massa aplaudia a não mais poder, em especial a gurizada das primeiras filas da arquibancada, embasbacada pela mirabolante atuação do herói fugaz da saudosa crônica de costumes de nossas pequenas cidades.
Hoje o esquete é de outra índole e concepção. Ademais, não desperta a menor hilaridade da assistência cansada de rir da desgraça própria. A encenação de mau gosto montada no remoto Planalto Central, onde o presidente Juscelino Kubitschek, um dia, sonhou plantar as sementes do novo Brasil, reacende no imaginário popular o abatimento moral de ver que nada dá certo ou funciona, mas custa muito caro.
Quando todos imaginavam guinada definitiva no rumo, apareceu o ministro da Previdência, Romero Jucá, senador pelo PMDB de Roraima, até o apagar das luzes do governo FHC seu líder no Senado, agora escolhido ministro pela antiga brigada de justiceiros do ABC, fazendo das tripas coração para explicar a origem das fazendas inexistentes que fez constar como garantia do empréstimo de R$ 18 milhões contraído com o Banco da Amazônia (Basa).
Jucá era um dos proprietários da Frangonorte, em Boa Vista, assinando o contrato na condição de ?avalista e principal pagador?. Ocorre que a conta jamais foi paga e, pouco depois, o senador repassaria suas cotas a um terceiro, supostamente, novo titular da citada empresa.
Os especialistas vêem no expediente da transferência das cotas a forma encontrada pelo atual ministro para livrar-se do ônus da fiança e da responsabilidade sobre o débito. Contudo, sabe-se que o Basa não concordou com a transferência das cotas, tanto que Jucá abriu ação judicial contra a entidade na Justiça de Belém, com a finalidade de pleitear pelo caminho jurídico esse reconhecimento.
Empresário devendo a bancos é rotina neste País, sobretudo a bancos públicos, como neste caso. O espeto é que o senador Romero Jucá foi nomeado ministro da Previdência pelo principal mandatário de um governo alicerçado na defesa da ética e da transparência na política.
Injustificável é pensar que o governo Lula foi pego de surpresa ou não tivesse informações sobre fatos relacionados com a carreira do citado político. Presidente da Funai, entre 1986 e 1988, Jucá foi denunciado pelo Ministério Público Federal de ter usado o órgão para negociar ilegalmente madeira retirada de reservas indígenas. Em 1993, o Tribunal de Contas da União acusou o senador do desvio de R$ 300 mil destinados a entidade filantrópica – Fundação Roraima – da qual era sócio.
Durante as especulações em torno da reforma do ministério, ao firmar-se o nome do senador de Roraima para a Previdência, pipocou a informação sobre o débito de R$ 16 milhões da Prefeitura de Boa Vista com o INSS. Detalhe: a prefeita da capital de Roraima é Maria Tereza Jucá, mulher de Romero. Os jornais registraram a fala do futuro ministro: ?Se a Prefeitura, no final das contas, tiver alguma pendência, vai ter de pagar e eu vou cobrá-la se for ministro?.
Que saudade do doutor Jatene!
