Desde o dia 16 de março de 2005 funciona na Câmara dos Deputados a CPI do Tráfico de Armas, presidida pelo deputado Moroni Torgan (PFL-CE). No entanto, sem atrair as atenções da mídia atenta ao incessante aluvião de denúncias sobre mensalão, compra de votos, caixa dois e lavagem de dinheiro, veiculadas nas espetaculosas CPIs dos Correios e dos Bingos.
Mesmo assim, a citada CPI fez uma série de constatações proficientes sobre a atuação dos inúmeros compartimentos do malfadado esquema do comércio ilegal de armamentos e de entorpecentes nas zonas de fronteira, bem como dos corredores utilizados para a disseminação dos produtos dessa autêntica pirataria moderna nas principais cidades e no interior.
A CPI se notabilizou nos últimos dias ao descobrir o vazamento do depoimento reservado que dois delegados da Polícia Civil do Estado de São Paulo haviam prestado. Um servidor terceirizado da Câmara, um operador de áudio imediatamente demitido e hoje sob proteção da Polícia Federal, confessou ter vendido uma cópia da gravação dos depoimentos a dois advogados ligados aos chefes do Primeiro Comando da Capital (PCC).
A coincidência mais tenebrosa é que poucas horas depois da gravação ter chegado ao conhecimento dos chefes da organização criminosa no interior de vários presídios, foi aceso o rastilho de pólvora que desencadeou os ataques terroristas contra policiais militares e civis, rebeliões em penitenciárias e cadeias públicas em vários estados, queima de ônibus, estações de metrô, instalações públicas e privadas, no fatídico final de semana da comemoração do Dia das Mães. Dezenas de policiais e criminosos foram mortos durante as escaramuças e até agora a Secretaria da Segurança Pública, mesmo sob intensa pressão do Ministério Público Estadual e outras instituições, não pôde cumprir a ordem de entrega da lista dos civis mortos no conflito, diante das pesadas suspeitas da interveniência de grupos de extermínio – de triste memória na crônica policial – que teriam agido em represália aos ataques do PCC.
Contudo, não foi esse o foco da CPI do Tráfico de Armas em suas últimas sessões, vez que o assunto específico não diz respeito à sua alçada. O fato de suma gravidade, porém, foi evidenciado no depoimento do delegado da Polícia Civil do Distrito Federal, Celso Ferro, que declarou não haver a menor condição de mensurar a quantidade de elementos ligados a organizações criminosas dedicadas à promoção do tráfico de armamentos e drogas, introduzidos em organismos policiais e judiciários nos quais passaram a desempenhar funções estratégicas mediante fraudes em concursos públicos.
Há cerca de um ano a imprensa noticiou o desmonte da então chamada Máfia dos Concursos e a prisão de vários implicados, mas àquela altura não era possível calcular a extensão dos danos. O mero exemplo da venda da gravação de um depoimento reservado aos advogados do PCC cooptando-se um simples funcionário da Câmara (um deles, Sérgio Wesley, saiu algemado da acareação realizada na CPI do Tráfico de Armas, tal a trama de falsidades que regurgitou e a insolência em relação aos parlamentares), é suficiente para se ter um vislumbre da magnitude das infiltrações do crime organizado no aparelho de Estado.
O Brasil parece ter virado um território livre para o banditismo em todos os seus matizes. Assalta-se o erário mediante o desvio de recursos orçamentários e o superfaturamento das obras públicas. Os partidos e candidatos utilizam o caixa dois e os parlamentares vendem o voto. Armamentos e drogas entram pelas fronteiras abertas do País, constituindo a quintessência do crime organizado. Seus chefes, mesmo na prisão, dispõem de telefones celulares como se estivessem em casa, e se dão ao luxo de conceder bolsas de estudos aos futuros advogados das gangues. A Camorra não é nada perto da bandidagem verde-amarela.