Agora que a campanha terminou e já se conhecem, outra vez, vencidos e vencedores, é importante uma pequena reflexão sobre o momento político que o Brasil está vivendo. Se antes a tradição petista de oposição dividia – e esta campanha serviu para evidenciar isso – as coisas entre o bem e o mal, hoje esse tipo de maniqueísmo em preto e branco já não tem mais razão de existir. Em muitos momentos, neste segundo turno, o discurso de uma das partes podia muito bem ser usado pela outra, apenas trocando os nomes. A democracia brasileira avança, mas o PT está perdendo sua alma, observou-se alhures. O atento eleitor deve ter percebido, então, que na política que praticamos há ainda uma dose muito forte de discurso gongórico, de enganação, portanto, e sem base na sinceridade de propostas. Da alternância no poder apenas ensaiada aguarda-se, portanto, o nascimento de um novo estilo de fazer política.
Essas coisas de que falamos começam no âmbito do governo federal. O PT assumiu o poder central há praticamente dois anos e até hoje não conseguiu ainda desvencilhar-se do velho costume de colocar por terra tudo o que aí está ou estava. Ou de começar tudo do ponto zero, como o presidente Lula chegou a afirmar em seu discurso de posse. Perto do que continua acontecendo hoje no âmago do poder, aquela primeira guerra entre moderados e radicais do início do atual governo federal é fichinha para trocados. Há maior fiasco do que este que acaba de explodir, ainda em plena campanha, acerca de juros e preços dos combustíveis, entre o Banco Central – a nossa autoridade monetária – e a Petrobras, apesar das privatizações, a onipresente companheira de todos os brasileiros que se movimentam ou dos que se movimentam dependem? Um governo que não se entende em casa é desgoverno.
A se considerar os termos do último debate que precedeu a eleição deste domingo, um desinformado cidadão poderia muito bem confessar-se perdido em meio ao tiroteio havido diante das câmeras e microfones. Mais que debate, parecia uma sessão de agressões, ou uma rinha de galos em cuja arena, provavelmente, buscava sua inspiração o mais notório marqueteiro político da atualidade tupiniquim – o afiançado Duda Mendonça. Nenhum dos candidatos – embora falassem todos em propostas – conseguiu traduzir claramente os motivos pelos quais haveria de conquistar o voto dos indecisos, ou de mudar o voto de seu adversário. A um, se lhe acusavam não ter feito enquanto partícipe da estrutura de governo municipal; a outro, se lhe imputavam as mazelas do governo estadual e/ou federal, como a dizer aos eleitores que eles erraram redondamente na última escolha e que, portanto, agora deveriam mudar. Isso tudo num clima hostil sem precedentes e de agressões inúteis, quando não de declarada má-fé misturada a denúncias logo em seguida desmentidas, para mais confundir o eleitor. Isso ocorreu aqui e no resto do Brasil, sem muitas nem honrosas exceções.
O novo jeito de conversar com o eleitor que se espera surja na nova política brasileira tem a ver com a sinceridade nascida e acrisolada na alternância do poder – e no poder em seus diversos níveis – dos diversos grupos que se arregimentam com disposição de operar mudanças ou implementar realizações e sonhos. Talvez seja esse o principal legado que nos deixa o PT ao levar sua estrela até o Planalto depois de um longo e ainda relativamente recente período ditatorial, onde se procurava dizer aos cidadãos o que eles deviam fazer ou deixar de pensar: nem tudo estava errado até aqui, como se cansou de ensinar nos candentes discursos de oposição, hoje poder; nem tudo está absolutamente certo agora (ou de novo absolutamente equivocado, dependendo do lado em que está o observador). O prefeito que se vai não foi de todo mau, assim como o que virá não será a personificação do bem. Não éramos totalmente felizes ou infelizes antes, assim como com os novos eleitos não haveremos de entrar no paraíso imediatamente, como se deixou supor no curso da última campanha presidencial. Uma eleição encerra lições para todos – eleitos, derrotados, eleitores triunfantes ou frustrados. É preciso saber aproveitá-las.