Um novo entendimento

No vai-e-vem de suas decisões, o Conselho Nacional de Trânsito (agora sob a influência feminina de Rosa Cunha, diretora do Departamento Nacional de Trânsito), acaba de proibir qualquer tipo de uso de telefone celular por quem esteja ao volante de um automóvel. Nem mesmo os sistemas de viva-voz, antes expressamente permitidos e vendidos a bom preço ante o argumento de que uma multa é, sempre, pior, podem ser usados, a não ser com o veículo estacionado à margem da via ou no acostamento, quando existir. Quem desafiar a norma e for pego falando ao telefone terá pena certa: quatro pontos na carteira e multa de R$ 85,13.

Segundo o entendimento de Rosa Cunha, quando ao celular, mesmo que viva-voz e com as mãos livres, “o motorista não olha o retrovisor, ziguezagueia, reduz velocidade, avança o sinal, enfim, se distrai”. E qualquer distração ao volante é atentado à segurança própria e de terceiros. Ela é tão radical em seu entendimento que proíbe o uso do telefone mesmo se o carro estiver parado, em meio a um congestionamento. Com orientação semelhante, em caso de emergência ou necessidade premente, vai ser duro convencer guarda de trânsito. Se a multa não for feita em flagrante, então, o bate-boca será enorme. E a corrupção que sabidamente se esconde por trás da indústria de multas de trânsito, maior ainda.

A frota nacional de veículos é de aproximadamente 32 milhões o mesmo número também aproximado de celulares em funcionamento. Que dez por cento desses cometam uma infração por mês, a arrecadação pode render mais de vinte e cinco milhões de reais mensais, ou exatos R$ 306.468.000,00 por ano. Isso no caso de não haver sumiço das longas listas de autuados nos computadores dos órgãos estaduais de trânsito…

Em tese, está certo o Contran. Se as estatísticas indicam que assobiar e chupar cana ao mesmo tempo é incompatível, então que se procure evitar um dos dois. Mas existem seguramente outros fatores atentatórios à segurança dos transeuntes pelas nossas estradas cheias de buracos, lombadas, ratoeiras eletrônicas, e mal sinalizadas. E contra a omissão do poder público aliás, com castigo previsto no Código de Trânsito nada acontece. Falar no viva-voz não seria o mesmo que ouvir música? Ou conversar com o passageiro ao lado?

Uma proibição radical assim até agora era permitido exatamente porque não oferecia risco! faz lembrar outra palhaçada cometida pelo mesmo órgão logo no início de vigência do novo Código: os tais kits de segurança e primeiros-socorros. Tanta gente foi multada por não portar o “dispositivo”, que ao lado da exigência proliferou-se uma indústria paralela àquela das multas. E, no final, descobriu-se que em vez de conferir segurança, os primeiros-socorros poderiam induzir à morte. Por ineficiência comprovada.

Já escrevemos aqui e voltamos à carga, para dizer que os riscos de segurança em estrada boa e bem sinalizada são sempre menores que aqueles que vivemos em nossas picadas abandonadas de Norte a Sul. Que o Contran se preocupe com nossa segurança é natural e obrigação sua. Mas que tenha em vista também a realidade brasileira e saiba pesar suas decisões, eis o segredo. Afinal, com esse novo entendimento, corremos o risco de ganhar multa por usar o telefone para chamar o guincho com o carro quebrado dentro de um buraco na estrada.

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