A primeira vez que encontrei o empresário José Carlos de Carvalho, o Carvalhinho, foi num elevador da secretaria de Indústria e Comércio, às 7 horas da manhã. Cumprimentou com firmeza, como se me conhecesse há anos. “Bom Dia, Ruth, como vai?” Nem bem respondi e ele começou a falar. ” Cheguei ontem depois da meia-noite de Caxias do Sul, levantei às seis horas, tomei café, fiz amor com minha mulher, falei com o governador, dei ordens nas minhas empresas e estou aqui, pronto para a entrevista ao Jornal do Brasil”. Era o governo Alvaro Dias.
A última vez que falei com o presidente da Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep), o Carvalhinho, foi na sexta-feira passada, quando ele retornou um telefonema. Acabara o discurso de despedida da Fiep. Parecia emocionado, disse que havia pedido para a mulher, Nani, também ler. E que, nas quatro folhas, estava tudo o que realmente gostaria de falar no ato de posse. Parecia solitário. “Quando terminar tudo isso, vou levar você para a minha casa de praia. Vamos passar um bom fim-de-semana com a Nani lá”. E se despediu.
Nesses mais de 20 anos de convivência, Carvalhinho foi o personagem inesquecível. A relação com a imprensa, sempre de amor e ódio. O cuidado absoluto, rigoroso e, muitas vezes, compulsivo que tinha em cuidar da própria imagem o fazia telefonar para o dono do jornal, o editor, o sub-editor e para o repórter quando publicava-se qualquer notícia que não era do seu agrado. Mas sabia ser gentil quando suas palavras eram bem colocadas. Quem fez coberturas de economia e política nestas duas décadas sabe bem disso.
Por uma razão ou outra, aprendeu-se a conviver com o Carvalhinho. É lógico que era vaidoso. É lógico que era ambicioso. É lógico que gostava de elogios e loas. Mas, talvez, por lutar tão obviamente por isso, tenha sido o mais sincero de todos os paranaenses que, movidos pela imemorial timidez, conhecida também por falsa modéstia, se aquietam quando insatisfeitos.
Foi, entre nós, o que mais francamente traduziu a coragem de ocupar espaços. E, por querer sempre chegar antes, venceu barreiras ideológicas, empresariais e políticas. Na última longa conversa sobre seu passado, na varanda da bela casa onde morava, só falou dos amigos que fez na vida, desde o primeiro rapaz curitibano que o acolheu na juventude, Francisco da Cunha Pereira, que lhe mudou o corte de cabelo e o ensinou a comprar camisas finas, sapatos e ternos, até o seu último adversário na disputa pelo Fiep, Rodrigo da Rocha Loures. “As conquistas que fiz,” dizia, “foram conseqüências dos meus amigos”.
Todos dirão que a morte de Carvalhinho foi conseqüência da inconformidade de deixar o poder da presidência da Fiep. Pode ter sido mesmo. A Fiep era o troféu mais caro, acima das demais conquistas. Ele a tinha como sua, apenas. Ali era Rei e Senhor. Nos últimos três meses, em todas as conversas, dizia que iria continuar brigando pelas causas paranaenses lá em Brasília. Que não faria sombra ao sucessor.
Mas temia, mesmo, que fosse deixado de lado. Mais do que ninguém, gostava mesmo de mostrar aos seus pares que era bom naquilo que fazia. Por isso, estivesse em Curitiba, ou em Ivaiporã, Carvalhinho gostava de mostrar que sabia mais, era o primeiro da turma, conhecia tudo e todos. Mais do que orgulho ou prepotência, lutava desesperadamente pela aceitação e o aplauso do seu próprio grupo. Os jornalistas, de uma maneira geral, apreenderam esta circunstância pessoal e acabaram por render-se mais aos anseios do ser humano do que aos conseqüentes objetivos do homem público.
Brilhar em Brasília? Poderia até dar certo mas isso tinha que aparecer e repercutir aqui, em sua aldeia. Como fez quando foi senador e quase ministro. Viajava sim, mas era mesmo prá contar no Paraná. Trazia presidentes e líderes empresariais para nos mostrar que era importante lá fora.
Era uma figura ímpar, de homem adulto e de cabelos brancos, exercendo um ofício de menino, numa luta comovente em busca de brilhar sempre mais, alcançar sempre mais, e ser, enfim, o melhor. Nesta caminhada, ajudou o Paraná a crescer, a Fiep a se consolidar como uma das entidades mais importantes do País, a grupos políticos ganhar eleições, e formou um pequeno império pessoal.
E, acima de tudo, lutou até o penúltimo dia, incansável no afã de vencer o tempo, vencer etapas, vencer a vida. Quando não foi capaz de vencer sua própria capacidade de lutar, foi-se o homem com alma de menino.