Um encontro ilustre marcado pelo tempo

Senhor Presidente, em nome de quem saúdo as autoridades e as ilustres outras pessoas já referidas;

            Minhas senhoras e meus senhores

            Aos meus queridos colegas cinquentenários que saúdo na pessoa do Doutor Constantino Batista Viaro.

Minhas primeiras palavras são de homenagem e reverência à instituição à qual estamos todos vinculados funcional e/ou moralmente: a Ordem dos Advogados do Brasil.

A VII Conferência Nacional da OAB

            Um dos destaques fundamentais de sua longa história foi marcado pela realização, aqui em Curitiba, da VII Conferência Nacional, em maio do ano de 1978. Eduardo Rocha Virmond, na época era o presidente de nossa secional e Raymundo Faoro[1] era o presidente do Conselho Federal. O Brasil ainda vivia sob o jugo da ditadura militar com a mutilação e restrição de liberdades, direitos e garantias fundamentais. Somente a OAB, a ABI e a CNBB eram as instituições portadoras das denuncias contra o estado autoritário. Ninguém mais: cassações de mandatos eletivos; recesso de casas legislativas; prisões e torturas por todo o Brasil e o silêncio do medo.

A Declaração dos Advogados Brasileiros

            O documento de clausura da VII Conferência Nacional da OAB, revelou a dimensão extraordinária daquele evento e suas repercussões no campo político. Surgia, a partir de então, a oportunidade do diálogo entre o imortal Presidente de nossa entidade, Raymundo Faoro, e o então Presidente da República, Ernesto Geisel,[2] quando o bâtonnier transmitiu a vontade, dos cidadãos brasileiros, de verem recuperadas as liberdades públicas e as garantias e direitos individuais. Iniciava-se o processo da chamada distensão lenta e gradual.

            Em homenagem à memória de Raymundo Faoro, e em consideração aos resultados altamente positivos da VII Conferência, merecem transcrição algumas passagens da Declaração dos Advogados Brasileiros, por ele redigida, que recebeu o seu autógrafo em primeiro lugar seguindo-se as assinaturas  dos demais presidentes das secionais.

Os advogados brasileiros, presentes e representados na VII Conferência nacional da Ordem dos advogados, ao reiterarem sua unidade e coesão, trazem sua palavra ao povo, ao qual pertencem e devem conta de suas preocupações e de sua conduta pública. Armados da palavra e da razão, sentem-se credenciados, ainda uma vez dentro da sombra autoritária que envolve o Pais, a expressar mensagem de esperança e de liberdade, clamando pelo Estado de Direito democrático.

“O Estado democrático é a única ordem que pode proporcionar as condições indispensáveis à existência do verdadeiro Estado de Direito. Para isso não basta o voto consentido, pois só ele não constitui a essência da democracia; ao contrário: é a própria democracia que dá conteúdo de participação ao direito de voto. Expressão de ato político e democrático, a vontade que este representa, exige processo normativo integrado, desde a organização pluripartidária – representativa das várias correntes de opinião pública – às garantias da livre manifestação do pensamento incluído o direito de crítica às instituições., As restrições à liberdade somente se tornam legítimas na medida em que visem à preservação do interesse coletivo – respeitado o limite infranqueável da dignidade da pessoa.“. [3]

A XXI Conferência Nacional da OAB

            Sob a coordenação de José Lucio Glomb e um extraordinário empenho da atual diretoria, conselheiros; do apoio inestimável do Conselho Federal, aqui muito bem representado pelo tesoureiro Miguel Cançado, com a firme colaboração do ex-Presidente seccional e atual Vice-Presidente do Conselho Federal, Alberto de Paula Machado e da diretoria da Caixa de Assistência dos Advogados do Paraná, na pessoa de seu dinâmico presidente, José Augusto Araujo de Noronha, uma nova Conferência Nacional realizou-se em nossa cidade, em novembro do ano passado.

            É oportuno reproduzir alguns trechos da Carta de Curitiba, documento que sintetiza o pensamento e a ação dos advogados brasileiros:

“Reafirmam os advogados sua crença na imprensa livre e sujeita apenas aos controles sociais, rejeitam os abusos do Estado policial e defendem a autonomia dos indivíduos nas suas escolhas existenciais, da liberdade de religião à liberdade de orientação sexual. No tocante à democracia, advogam uma reforma política, que já tarda, capaz de diminuir o peso do poder econômico no processo eleitoral, de reforçar a representatividade do Legislativo e de fomentar virtudes cívicas que se encontram adormecidas.

(…)

“A advocacia brasileira reforça sua compreensão de que a autonomia e preservação do papel de cada um dos Poderes da República são primados fundamentais para a manutenção e aprimoramento do processo democrático. Nesse contexto, conclama o Congresso Nacional para que assuma de maneira firme a condução do processo legislativo, refreando a condição de refém das medidas provisórias.

            (…)

“Os advogados brasileiros condenam, sobretudo, o modelo político que favorece e estimula o loteamento de cargos em todos os níveis de poder, tornando governantes reféns de agentes públicos que se valem dos seus cargos para fins privados. O país precisa de um choque ético no orçamento, nas licitações, na diminuição do número de cargos em comissão, dentre muitos outros domínios.

A campanha “O Paraná que queremos”

Outro fato relevante em nossa cidade e com repercussão nacional foi a campanha O Paraná que queremos, liderado pelo Conselho Seccional e pelo jornal Gazeta do Povo e a RPC-TV com o apoio de outras instituições da sociedade civil. O saudável e cívico movimento culminou na abertura de imensas caixas pretas e inúmeros desvios éticos e manobras de corrupção na Assembléia Legislativa do Paraná.

            Saúdo o Presidente Waldir Rossoni – aqui presente – e os demais parlamentares de nossa Casa de Leis – na pessoa do Deputado Plauto Miró Guimarães, pelos novos tempos em favor da ética, da moralidade e dos interesses públicos, com a transparência indispensável em favor da cidadania paranaense.

            Estamos, portanto, nos oitenta anos de idade, orgulhosos do desempenho histórico de nossa secional, de seus dirigentes e conselheiros.

Um depoimento pessoal

            Frequentemente eu ouço a respeitosa pergunta: “O senhor ainda advoga?”

            Antes de responder à essa amistosa indagação eu gasto alguns segundos para abrir o inventário da saudade.

            Eu rejeitei a ideia de iniciar a advocacia em cid,ade do interior paranaense. Fiquei em Curitiba por inspiração de uma das crônicas de Rubem Braga: “A terra onde a gente nasce, vive e ama, exerce sobre nós uma força de gravidade sentimental“.

            Do primeiro e pequeno gabinete com porta de saloon – assim como nos filmes do velho oeste – e das duas cadeiras no corredor como sala de espera, eu fiz a pequena grande viagem no início dos anos 70: da Alameda Dr. Muricy, no edifício Azulay, para a Rua Marechal Deodoro, no edifício Nerina Caillet.

            No começo com apenas um funcionário. No curso dos anos sessenta com a colaboração de José Eduardo Soares de Camargo e a partir dos anos setenta, com a presença de Walter Borges Carneiro e Regina Helena Afonso que, mercê da competência técnica e reputação ilibada ingressaram na magistratura de segundo grau, inicialmente no Tribunal de Alçada e depois promovidos para o Tribunal de Justiça do Paraná.

            Na defesa dos perseguidos políticos – estudantes universitários, professores, parlamentares, jornalistas, sindicalistas, advogados e outros cidadãos – eu atuava em audiências e julgamentos na Auditoria da 5ª Região Militar da Praça Ruy Barbosa, ao lado de companheiros como ÉlioNarézi, Antonio Acir Breda, José Carlos de Castro Alvim, Aurelino Mader Gonçalves, Oldemar Teixeira Soares, Lamartine Correa de Oliveira Lyra, Albarino Matos Guedes e outros poucos. Muito poucos.

            O Conselho era composto por quatro juízes militares e um juiz togado. Para manter a altivez da advocacia naqueles anos difíceis, após um incidente em audiência com ameaça de prisão ao colega Lamartine de Oliveira Lyra, todos nós comparecíamos com a veste talar em todos os demais atos públicos daquele processo. Era o nosso uniforme a exemplo dos militares que vestiam a farda.

            Em um final de tarde de inverno e para interromper a ansiedade e quebrar o suspense do veredicto, enquanto os julgadores decidiam, em sala secreta, a condenação ou a absolvição dos nossos clientes, eu e outros resolvemos bebericar no bar que ficava ao lado. Eu permanecia com a beca. Foi então que se aproximou de nosso grupo um bebum. Olhou-me de cima a baixo com surpresa e sorriu. E com entusiasmo me saudou:

            Eta padre porreta. Tomando cachaça co’ a gente“.

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[Contei, fora da leitura do discurso, do pitoresco caso do ensacador de Paranaguá que foi acusado de tentativa de homicídio. Felizmente não houve a morte da vítima, apenas lesões. Eu lhe disse que ele seria julgado no por pessoas da cidade, bancários, funcionários públicos, empresários e que viesse bem vestido. No dia do júri, às nove horas da manhã, com grande calor, a Promotora comentou: “Mas, então, hein Professor? Olhe o seu cliente”. Ele estava sentado, de costas para a entrada e recebia o cumprimento de alguns jurados. Ele estava de smoking!!!]

Aos queridos colegas homenageados

            Quero, agora, dirigir-me aos meus colegas de inscrição cinqüentenária nos quadros da OAB-PR. 

            Muitos ainda advogam e com grande intensidade; outros reduziram o volume de trabalho e muitos outros desenvolveram outras atividades, ligadas ou não ao Direito. Mas o importante é que decidiram livremente o futuro.

            Lembro o pensamento do imortal Filósofo Francis Bacon (1561-1626), que vale para todos nós:

“Nas coisas mais dif,íceis, sejam elas quais forem, não deve esperar-se que alguém semeie e logo colha, mas é necessária uma preparação de forma a que elas amadureçam gradualmente”.

De que é feita a felicidade?

            Na primeira aula nos cursos regulares ou especiais de Direito eu tenho indagado para os alunos o que eles pretendem com o futuro diploma ou certificado. As respostas são variadas. A maioria deles, como é presumível, afirma que o objetivo é a conquista de um lugar ao sol como profissional. Assim dizem os futuros advogados, juízes, membros do Ministério Público, da Polícia Judiciária e de várias atividades forenses. Outros afirmam a necessidade de vencer na vida como parlamentares, consultores ou administradores de empresas públicas ou privadas, etc. Há, também, os indecisos que não imaginam como serão os anos futuros.

            Insisto na pergunta esperando uma resposta que considero única e certa, com apenas duas palavras. Após hesitações e opções, surge um aluno ou aluna para dizer o que eu preciso ouvir: “- Professor, eu quero ser feliz“.

            Felicidade! Essa é a palavra-chave que encerra a primeira parte do encontro inicial com as turmas. Em seguida faço alguns comentários sobre a satisfação que pode provocar o labor físico ou mental, lembrando um pensamento hindu: “Aplicar no trabalho o melhor dos esforços; isso é a felicidade. Se os frutos vierem será o nirvana“.

            Nas religiões indianas, o nirvana é o estado permanente e definitivo de beatitude, felicidade e conhecimento, meta suprema do homem religioso e que é obtida através da disciplina ascética e meditação. Este é um momento não só de alegria como de felicidade ao lembrarmos todo o caminho percorrido desde os primeiros anos, na escola infantil passando pelos demais estágios até vencer o desafio do vestibular e coroar o tempo de esforço e dedicação com a obtenção do diploma de Bacharel.

            Lembro Érico Veríssimo (1905-1975), em Olhai os lírios do campo, quando escreveu: “Felicidade é a certeza de que nossa vida não está passando inutilmente

            E encerro com Mário Quintana (1906-1994) poeta, jornalista e tradutor, em Espelho Mágico:

“Quantas vezes a gente, em busca de ventura,

Procede tal e qual o avozinho infeliz:

Em vão, por toda parte, os óculos procura,

Tendo-os na ponta do nariz!”

?                                 ?                                 ?

            Tenho dito


[1]              Raimundo Faoro (Vacaria/RS, 27.04.1925 – Rio de Janeiro 15.05.2003. Jurista, Advogado, Sociólogo, Historiador, Cientista Político e escritor. Autor do clássico da literatura política brasileira, Os donos do poder. Foi o quinto ocupante da Cadeira nº 6, tendo sido eleito em 23.11.2000, na sucessão de Barbosa Lima Sobrinho e recebido pelo Acadêmico Evandro Lins e Silva, em 17.09.2002.  

[2]              Ernesto Beckmann Geisel, Bento Gonçalves (RS), 03.08.1907 – Rio de Janeiro, 12.09.1907. Militar e político, 29º Presidente do Brasil (1974-1979). Foi o responsável por deflagar e manter a abertura política de fo,rma “lenta, gradual e segura”. Apoiou o candidato oposicionista, Tancredo Neves (1910-1985), na eleição para a a presidência do Brasil, em 1985.

[3]  A Declaração está publicada nos Anais da VII Conferência da OAB, Curitiba, edição OAB-PR, 1979 e reproduzida em meu artigo Revista de Informação Legislativa, “Da ditadura militar à democracia civil: a liberdade de não ter medo”, Brasília: Ed. Senado Federal, nº 179, jul. set. 2008, p. 

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Discurso pronunciado em nome dos advogados que completaram cinquenta anos de inscrição, na cerimônia respectiva e de comemoração aos oitenta anos do Conselho Secional da Ordem dos Advogados do Brasil. Auditório Poty Lazaroto, Museu Oscar Niemeyer, Curitiba, 15 de fevereiro de 2012.

René Ariel Dotti. Professor Titular de Direito Penal ? Advogado ? Medalha Santo Ivo – Padroeiro dos Advogados, conferida pelo Instituto dos Advogados Brasileiros ? Conselheiro Federal pelo Paraná ? Medalha Vieira Neto, honraria máxima concedida pela OAB-PR pelos relevantes serviços prestados à Justiça, ao Direito e à classe dos advogados. ? Medalha Mérito Legislativo da Câmara dos Deputados ? Membro da Comissão do Senado Federal para redigir anteprojeto de reforma do Código Penal.

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