Um direito de todos

A partir da década de 80, no processo constante e acelerado de organização das mulheres, o tema direitos sexuais e direitos reprodutivos tem sido um ponto fundamental no alargamento de políticas sociais. Uma nova concepção de cidadania se fortalece à medida que as mulheres percebem que não somos todas iguais, mas a convergência de pauta, de luta e de reivindicações, desde que respeitadas as diferenças, é estratégica para o avanço.

A participação das mulheres na sociedade, no mercado de trabalho, no poder, extrapolando o privado e agindo e interagindo no público, projeta a nova mulher, mais feminina, mais autêntica, mais dinâmica, mas, acima de tudo, mais autônoma e portanto mais inteligente e decidida, redefinindo conceitos, derrubando tabus e preconceitos. A nova mulher define e amplia o conceito de cidadania, vê na parceira a amiga, a companheira, mas não mais a rival, a concorrente, portanto a mulher avança, amadurece, sabe o quer, constrói a sua própria agenda e diz um basta à submissão e ao silêncio.

Surge uma nova noção de direito. A luta pelo direito à igualdade, bem como por direito à diferença, passa a ser o eixo fundamental para a formulação do novo conceito de cidadania e de democracia. Daí a dificuldade de muitos na compreensão da diversidade, de entender que pensar o todo contempla e inclui a todos e a todas. Daí a transformação das relações de gênero, que passa a ser o ponto central da luta feminista. Por isso a nova igualdade é diferente da que muitos homens ainda apregoam, que é construída pelos homens e para os homens.

As mulheres romperam com a situação de vítimas e se transformam em sujeitos, com autonomia e direitos, redefinem a democracia e exigem nova pauta e estruturas de poder público e privado. O significado de direitos, como fortalecimento de cidadania e principalmente sob a ótica de direitos humanos, exige nova visão de mundo, dentro e fora de casa, correspondendo a um jeito novo de ser e de estar no mundo, inspira novo conceito de liberdade. Concepção e anticoncepção, exercício da maternidade e da paternidade, direitos reprodutivos se projetam, estabelecendo responsabilidades e direitos.

Portanto, as mulheres, como protagonistas deste novo tempo, estão apostando em uma nova organização na existência das pessoas, que afetam as relações entre os homens e as mulheres e desfazem a ordem imposta pelos próprios homens à saúde reprodutiva e à saúde sexual. As mulheres saem da opressão e da dominação e afirmam que a gravidez, o aborto e a paternidade são responsabilidades coletivas. Basta de mulher morrendo ao dar à luz, basta de estupro, de gravidez indesejada, basta de criança vindo ao mundo para ser jogada nas ruas, nas praças, na exploração sexual de crianças e na droga. Basta de criança longe da escola, do carinho materno e paterno, do brinquedo, da responsabilidade do adulto.

Neste ano de 2004, ANO DA MULHER, no Brasil, quando realizaremos a I Conferência de Políticas para as Mulheres e elaboraremos, em conjunto com o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, com a sociedade, com os governos em todos os níveis, com os movimentos feministas e de mulheres, o Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, é imprescindível que toda a nação assuma também a responsabilidade conjunta de tratar o tema da igualdade e do combate a todas as formas de discriminação e violência.

O planejamento familiar, pelo caráter constitucional – Constituição Federal Art. 226 § 7.º -, merece toda a atenção não apenas do governo federal, mas dos governos em todos os níveis e de toda a sociedade. A Lei Federal em vigor n.º 9.263, de 12 de janeiro de 1996, diz que planejamento familiar é um direito da cidadã e do cidadão que deve ser orientado por ações preventivas e educativas e pela garantia de acesso igualitário a informações, meios e é dever do Estado, através do Sistema Único de Saúde, em associação, no que couber, às instâncias componentes do sistema educacional… então, vamos cumpri-la!

Temos a convicção de que a possibilidade de escolha, de ter mais ou menos filhos e filhas, ou não tê-los, quando ter e com quem ter, são direitos de todas as pessoas, homens e mulheres. O que não é correto é que os governantes em todos os níveis, os poderes constituídos e a sociedade organizada permaneçam silenciosos e coniventes com o alarmante número de meninas e de meninos que continuam sendo colocados no mundo, irresponsavelmente, pela desinformação.

Um país onde, ainda, há milhões de pessoas com fome e na miséria, onde milhões nem sequer possuem uma casa para viver, onde milhões vivem na sombra do analfabetismo, um país onde a mortalidade materna assume proporções inaceitáveis, tem por dever pensar e agir em relação à forma e às condições que seu povo está vindo ao mundo. Um país onde os percentuais de gravidez entre adolescentes, óbitos pela clandestinidade do aborto são significativos, não pode se omitir de abordar claramente o tema sobre planejamento familiar e paternidade atuante e consciente.

A Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, da Presidência da República, com o Ministério da Saúde, em 28 de maio de 2003, assinaram acordo de cooperação mútua para efetuar um debate nacional sobre Planejamento Familiar e, assim, em 2003, várias ações foram realizadas e serão ampliadas em 2004.

A gravidez não pode continuar sendo, como em muitos casos, uma experiência solitária, sem que se queira, onde a mulher arca com os custos e os encargos do dia-a-dia, enfrenta o preconceito e a exclusão. Para o homem, em muitos casos, a experiência de ser pai tem se caracterizado por um instante e perpetuada na irresponsabilidade de quem não assume compromisso com a educação e os cuidados diários. Pais de crianças com medo, sem sonho, só esperança, talvez…

A hipocrisia da proibição do planejamento, do anticoncepcional, da esterilização, do preservativo, não pode dominar o mundo da racionalidade, da justiça social, do dever de ser pai e mãe por inteiro, de continuar permitindo que crianças tenham as ruas, os viadutos, os lixões e a exploração sexual como forma de vida. Está decretado o fim do silêncio. A Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres da Presidência da República reafirma sua determinação de fortalecer e ampliar o debate sobre saúde sexual e saúde reprodutiva, planejamento familiar e paternidade atuante e consciente como um dever constitucional e legítimo direito de homens e de mulheres.

Emília Fernandes é secretária especial de Políticas para as Mulheres da Presidência da República.

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