Um direito à anonimidade na internet?

No direito comparado, algumas manifestações jurisprudenciais têm assegurado o direito à anonímia na internet, como o fez a Corte de Haifa, em Israel, que decidiu no início de 2007, no caso Rami Mor versus Yediot Internet, dever a identidade de um usuário da internet apenas ser revelada no caso de ter sido praticada uma ofensa criminal. A questão ainda não transitou em julgado, já que houve apelação à instância superior.

No caso referido, a sentença pondera que a anonimidade promove a democracia, já que iguala a todos independentemente de status ou classe. Contudo, a anonímia não elide a responsabilidade criminal no agente, ainda segundo a corte israelense. Se um crime foi cometido, sua materialidade não é alterada pela identidade não revelada do agente.

Todavia, a Corte israelense, na sentença sob comento, ainda afirmou que um ilícito civil também daria a possibilidade de identificação de seu autor, sujeito contudo ao confronto com os direitos à liberdade de expressão e ao direito à privacidade. Para tanto, a Corte sugere um teste que inclui a apresentação do direito prima facie, variedade do nosso conceito de fumus bonus jure.

A referida decisão foi proferida num momento em que Israel, como o Brasil, debate a conveniência da obrigatoriedade da identificação de todos os usuários da rede, e foi aparentemente fundada em precedentes jurisprudenciais dos Estados Unidos da América (EUA), onde o direito à liberdade de expressão assegurado pela primeira emenda constitucional tem uma hierarquia superior.

De fato, nos EUA o caso referencial ocorreu em 1999, Columbia Ins versus Seescandy.com, 185 FRD 573 (Cal.), no qual a Corte da Califórnia estabeleceu um critério de fumus bonus jure, posteriormente confirmado e expandido em 2006 no caso Klehr Harrison Harvey et al versus JPA Development (Penn.). Essa última decisão criou um chamado ?teste da primeira emenda? requerendo um julgamento sumário do mérito para permitir a abertura da identificação.

Parecem-me equivocados os argumentos da Corte israelense no que a isonomia assegurada por todas as constituições modernas independe da anonímia para o seu exercício. Ao contrário, a isonomia é assegurada pelo devido processo legal, que o teste do julgamento sumário limita de maneira preocupante.

Nos EUA, a hierarquia superior da primeira emenda está a ser utilizada para assegurar a imunidade processual de muitos atores de ilícitos civis, o que representa um grande retrocesso nas ciências jurídicas e na própria formatação do Estado de Direito. Mesmo nesse país, apesar de sua idiossincrasia constitucional, a questão não está fechada.

No Brasil, temos no momento o mesmo debate existente em Israel e em outros países, devido ao andamento no Congresso de Projeto de Lei de autoria do senador Eduardo Azeredo, sobre a questão de direito e crimes cibernéticos.

Valerá ou não a pena a exigibilidade da identificação do usuário da internet? Parece-me que sim.

Durval de Noronha Goyos Jr. é advogado admitido no Brasil, em Portugal, na Inglaterra e Gales. É árbitro do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), e professor de Direito do Comércio Internacional na pós-graduação da Universidade Cândido Mendes (RJ). Publicou diversos livros na sua área de atuação, entre eles O Novo Direito Internacional Público.

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