Um dilema do ensino superior

Os dados do Censo da Educação Superior realizado anualmente pelo Inep/MEC dão conta que na última década o crescimento na oferta de cursos superiores no Brasil foi de 234%. Esse é um número significativo, porém muito abaixo do percentual de aumento da oferta de cursos tecnológicos especificamente: 591,19%. A tendência é de manutenção desse crescimento.

De 2004 até 2006, o crescimento foi de 96,67% na oferta desses cursos. Esse número estrondoso só não chama mais a atenção pelo fato de que o conceito desse tipo de curso no mercado brasileiro é razoavelmente recente, senão em concepção, pelo menos em oferta real.

Os cursos de tecnologia buscam formar profissionais de nível superior que têm como característica o foco exclusivo nas habilidades e competências requeridas pelo mercado. Na prática, o que diferencia os cursos de tecnologia dos bacharelados é que, os primeiros concentram-se na formação para um determinado processo produtivo, e não para o mercado de trabalho de forma abrangente. São cursos voltados para uma formação superior ágil, direcionada e consistente, com conteúdos direcionados e que constroem competências técnicas voltadas a uma área profissional específica. Por seu alto grau de especialização, os cursos têm menor duração, podendo ser finalizados a partir de 2 anos, muitas vezes com carga horária no seu foco específico de conhecimento muito maior que qualquer curso de bacharelado. O crescimento dessa modalidade de oferta de cursos de graduação coloca os gestores de instituições de ensino público e privado, e os profissionais envolvidos com educação de modo geral, diante de um antigo e renovado dilema: como formar nossos alunos para o mercado de trabalho sem que se perca a dimensão humana e existencial do papel da educação na vida dos estudantes. Vale ressaltar que esse dilema é um dilema de marketing, qual seja, que tipo de valor busca-se oferecer à sociedade.

As instituições de ensino superior se vinculam à sociedade mais ampla pelas pessoas que buscam educação, por um lado, e pelas posições ocupacionais dos formados, por outro. Daí a noção, que aqui se pretende seja objeto de reflexão, de que os cursos de graduação deveriam ser ajustados à demanda de profissionais com determinadas características definidas tecnicamente.

A grande dificuldade de se projetar cursos que ?atendam às necessidades do mercado? deve-se ao fato de que o conteúdo técnico das profissões de nível superior é somente um dos fatores, freqüentemente de importância secundária, na determinação de sua demanda e de seu nível de remuneração. Numa sociedade com tantos desafios a serem superados no que diz respeito às desigualdades sociais, as oportunidades profissionais dos formados dependem, em grande parte, de diversas contingências. Muitas vezes valoriza-se mais o histórico educacional do formado e sua vinculação a determinadas instituições, ou ainda sua origem social, do que propriamente as habilidades técnicas e profissionais de que são portadores.

Outro aspecto que torna complexa a busca por uma conexão entre a sala de aula e o mercado de trabalho é a dicotomia entre formação generalista ou especializada. De um lado, a transformação acelerada e a diversificação do mercado de trabalho, combinadas com a ampliação do acesso ao ensino superior exigem uma formação de tipo mais ?generalista?. De outro, o aumento significativo na competitividade entre as empresas, obrigando-as a buscar a constante inovação de suas práticas e de seus produtos e serviços, demanda profissionais cada vez mais especializados.

Voltando às considerações iniciais, pergunta-se de que forma a perspectiva de marketing pode ajudar as instituições de ensino superior a sair do dilema apontado?

Invertendo a lógica desse dilema. As instituições não devem estar limitadas a buscar formas de se adequar às necessidades do mercado, mas ao contrário, trabalhar fortemente sua imagem ligada à formação de indivíduos íntegros na sua forma de pensar e agir, capazes de autonomamente construir sua carreira profissional. Essa autonomia deve surgir antes de tudo, da capacidade que esse indivíduo tem de interpretar o mundo à sua volta e nele intervir. Essa imagem será mais forte, tanto mais a proposta pedagógica de seus cursos consiga transformar essa premissa em realidade.

Uma instituição de ensino superior que consegue agregar ao valor da sua marca esses atributos poderá com maior assertividade passar a ser referência para o mercado, e não mais apenas nele se referenciar. Além disso, consegue se posicionar em um espaço de mercado menos competitivo pois, é necessário reconhecer, são poucas as instituições que efetivamente são capazes de enfrentar esse desafio.

Ricardo Pimentel (http://ricardo.pimentel.zip.net) é consultor de marketing educacional e professor da FAE Business School/Unifae e da Faculdade Opet. 

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