Um ano e meio

Comemorar, às vezes, é preciso. Serve para balanços, retomada de rumos e, muitas vezes, para propagandear idéias e intenções. Por isso o governo do PT procurou dar a máxima visibilidade possível ao transcurso do marco de um ano e meio depois da posse retumbante em primeiro de janeiro de 2002. O discurso coube ao ressuscitado ministro José Dirceu, mas o resumo da ópera foi dado pelo próprio presidente Lula, em baixa nas pesquisas de opinião. Para o pessoal da casa, o primeiro conselho é útil: não podemos permitir que críticas – às vezes verdadeiras, às vezes maldosas – possam mexer com a nossa auto-estima; para os adversários e eventuais críticos de plantão, a segunda e severa admoestação: quem diz o que quer vai ouvir o que não quer.

O endereço é claro e direto. Visa temperar o discurso eleitoral que já se avoluma pelas praças municipais afora, de norte a sul. Em outras palavras, manda bater duro em todos quantos procurarem explorar as vísceras expostas de um partido moldado na oposição ao longo de vinte anos de luta e sem muito traquejo na defesa de sua obra na situação. Repete, com outras palavras, o que disse dias atrás o próprio Dirceu, ao recomendar à militância que já não está sob seu comando o uso da lei de talião (olho por olho, dente por dente) contra os que ousarem fazer do palanque eleitoral o tribunal deste governo.

Nas fileiras da oposição, o prato é farto. A começar pela observação de que o governo que aí está não pode comemorar a ineficiência. Em vez de realizações e fundas mudanças, muita desesperança, a começar com o aumento da carga dos impostos e o fracasso da reforma tributária, cujos compromissos mais imediatos foram atirados para o ainda distante 2007. Nesse ano e meio já não serve o discurso do orçamento herdado, enquanto o primeiro reajuste do salário mínimo fora da ?herança maldita? acaba de consolidar a negação de uma promessa repetida à exaustão pela valorização de quem produz e trabalha. A Previdência vilã, espoliada pelos direitos adquiridos e conservados, abateu outra vez o sonho do paraíso fácil.

A contabilidade desse período vai além do registro das disputas internas pelo poder, da expulsão de radicais de primeira hora e da magnanimidade aparente das últimas semanas, ditada pelo estreito equilíbrio de forças no Congresso. Avança sobre a negada segurança pública em quase todos os quadrantes, começando por aquele campesino, onde a invasão coloriu de vermelho não apenas o abril anunciado, e terminando nos becos e alamedas dos principais centros urbanos brasileiros, onde o Estado vem perdendo a guerra faz tempo. A mesma contabilidade não pode comemorar o início do espetáculo mais esperado – o do crescimento -, assim como também não conseguiu demonstrar como seria possível a criação de dez milhões de novos empregos ao longo de apenas quatro anos. A cada re-promessa, a confirmação de uma realidade diversa daquela criada pelo marketing eleitoral vitorioso, mas improvável.

Acidentes de percurso também aconteceram. Um deles, sem dúvida, foi a expulsão de um jornalista estrangeiro (seguida de reconsideração diante de um alegado pedido de desculpas), acusado de dizer maledicências numa matéria sem muita importância sobre o comportamento presidencial. A repercussão internacional mostrou ser mais eficiente que a pressão interna, incapaz de instalar CPIs ou coibir o aumento de tarifas de serviços públicos essenciais à população em tempo de recessão.

Mas nem tudo são espinhos no largo percurso da estrela petista pelos jardins do Planalto e pelos céus desse irrequieto Brasil. O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, assegura que o investidor passou a acreditar no País. Já é bastante? É, pelo menos, a vitória da compreensão de que o governo está unido em torno da política econômica adotada que, se por enquanto ainda não gera novos empregos, pelo menos está avançando no crescimento vertiginoso das horas extras contratadas. Ainda há motivo, pois, para esperanças. Ademais, um ano e meio é muito pouco para um julgamento definitivo de eleitores municipais.

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