O Tribunal Superior do Trabalho decidiu sobre a questão da anuência prévia no dissídio coletivo de trabalho, interpretando a norma do parágrafo 2.º do artigo 114 da Constituição Federal, nos termos da Emenda Constitucional n.º 45/2004. A matéria ainda comporta novos julgamentos, em especial diante das ações diretas de inconstitucionalidade apresentadas no Supremo Tribunal Federal pelas Confederações Nacionais de Trabalhadores. Eis o acórdão do processo TST-DC 165049/2005-000-00-00, publicado no Diário da Justiça da União de 29.09.2006.
Ementa: ?DISSÍDIO COLETIVO. PARÁGRAFO 2.º DO ART. 114 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. EXIGIBILIDADE DA ANUÊNCIA PRÉVIA. Não demonstrado o comum acordo, exigido para o ajuizamento do Dissídio Coletivo, consoante a diretriz constitucional, evidencia-se a inviabilidade do exame do mérito da questão controvertida, por ausência de condição da ação, devendo-se extinguir o processo, sem resolução do mérito, à luz do art. 267, inciso VI, do CPC.Preliminar que se acolhe.Vistos, relatados e discutidos estes autos de Dissídio Coletivo n.º TST-DC-165049/2005-000-00-00.4, em que figuram como Suscitante SINDICATO NACIONAL DOS AERONAUTAS, e como Suscitada VARIG LOGÍSTICA S/A?.
Inicial: ?Na inicial, sustentou o Autor a inconstitucionalidade da exigência configurada na expressão comum acordo, inserida no parágrafo 2.º do art. 114 da Constituição da Constituição da República, pela Emenda Constitucional n.º 45/2004. Não obstante, considerou preenchido o requisito, porquanto encaminhada à empresa correspondência requerendo manifestação expressa sobre as negociações coletivas intentadas, informando-a de que a ausência de resposta seria considerada anuência tácita para a propositura da ação coletiva (fl. 05). O Suscitante informou a existência de Acordo Coletivo de Trabalho a vigorar até 30.11.2005. Consoante os fundamentos apresentados, pretendeu a prorrogação dos seus efeitos, mediante a concessão de medida liminar para evitar o dano iminente, resguardando a integridade do direito líquido e certo com a extensão dos efeitos do acordo coletivo de trabalho… até o julgamento desse dissídio ou a celebração de novo acordo coletivo de trabalho ou ainda alternativa e sucessivamente seja determinada a prorrogação dos efeitos do acordo revisando até a audiência de conciliação a ser realizada nesse Colendo Tribunal (fls. 04-14). Pelo despacho de fls. 155-156, foi indeferido o pedido de liminar?.
Conciliação e parecer: ?À Audiência de Conciliação e Instrução, realizada em 20.03.2006 (fl. 194), a empresa Suscitada não compareceu, encerrando-se a instrução. Pela petição, à fl. 197, a empresa Suscitada declarou oposição ao ajuizamento do Dissídio Coletivo e argüiu preliminar de extinção do processo sem julgamento do mérito, por ausência do requisito previsto no art. 114 da Constituição da República. A Procuradoria Geral do Trabalho, no Parecer, às fls. 212-219, opina pela extinção do processo sem julgamento do mérito, ou, superada a preliminar, pelo acolhimento parcial das reivindicações. É o relatório?. VOTO.
?1 – CONHECIMENTO: A profunda reformulação operada pela Emenda Constitucional n.º 45/2004, no texto do art. 114 da Constituição da República, deixou incólume o parágrafo 1.º, o qual declara a possibilidade de submeter-se à arbitragem as pendências verificadas nas negociações coletivas de trabalho. No âmbito de interesse do Dissídio Coletivo, cabe realçar-se a alteração introduzida no parágrafo 2.º do mencionado dispositivo constitucional, que passou a apresentar a seguinte redação, verbis: Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção do trabalho, bem como as convencionadas anteriormente. O parágrafo em questão, em sua redação anterior, dispunha, verbis: Recusando-se qualquer das partes à negociação ou à arbitragem, é facultado aos respectivos sindicatos ajuizar dissídio coletivo, podendo a Justiça do Trabalho estabelecer normas e condições respeitadas as disposições convencionais e legais mínimas de proteção ao trabalho.
Para esboçar-se breve apreciação sobre o tema, não se dispõe de fundamentação sedimentada em entendimento jurisprudencial desta Corte, pelo que valho-me de manifestações doutrinárias. O eminente Ministro José Luciano de Castilho Pereira, em lúcida abordagem sobre a atual redação do art. 114 da Constituição, defende a tese de que a expressão de comum acordo não deve significar, necessariamente, petição conjunta. Sustenta que o acordo, considerado no dispositivo, não precisa ser prévio, podendo revelar-se, sob a forma expressa ou tácita, ante o teor da resposta do Suscitado, ou da sua ausência, face ao pedido formulado na inicial. Entende o ilustre Magistrado que, não configurado o acordo prévio, ou na ausência de manifestação expressa da parte contrária, junto à inicial, a petição não deve ser indeferida de plano, podendo-se mandar citar o suscitado e apenas na hipótese de recusa formal ao dissídio coletivo a inicial será indeferida (A Reforma do Poder Judiciário, o Dissídio Coletivo e o Direito de Greve, in Revista do Tribunal Superior do Trabalho, vol. 71, n.º 1, págs. 31-40). Argumenta o ilustre Magistrado que, em prevalecendo na jurisprudência o entendimento contrário quanto à inviabilidade do ajuizamento do dissídio coletivo, no caso de ausência de manifestação da parte contrária a instruir a inicial – estar-se-ia fixando a eclosão da greve como caminho único para a obtenção de pronunciamento jurisdicional sobre qualquer matéria controvertida decorrente do impasse nas negociações coletivas; e acrescenta que essa tendência se revelaria apenas entre os trabalhadores representados por sindicatos fortes, aptos a promover o movimento grevista, porquanto em relação àqueles representados por sindicatos de menor poder de atuação não haveria qualquer solução viável. Em contraste com o entendimento acima sumariado, cabe realçar a corrente doutrinária esposada pelo ilustre professor Amauri Mascaro Nascimento, consoante o texto que transcrevo parcialmente, a seguir, verbis: A inovação está no ajuizamento bilateral, de comum acordo, por pedido conjunto das partes para o Tribunal do Trabalho, submetendo as questões controvertidas para serem julgadas sob a forma não de laudo arbitral, mas de sentença normativa.
Tem havido uma reação de alguns sindicatos contra a bilateralidade do impulso processual, e em alguns casos, com algum tipo de ressonância nos Tribunais, que já admitiram que o mútuo consentimento existiu se na mesa redonda da DRT a empresa não impugnou as pretensões ou se não o fez durante o procedimento de negociação coletiva, o que vem levando as empresas a reagir, também, de forma veemente, em prejuízo da facilitação da negociação coletiva, o que desrecomenda a interpretação ampliativa que visa a superar o requisito constitucional do mútuo consentimento que é uma condição da ação, ainda que se alegar, contra o mesmo, o princípio da inafastabilidade da jurisdição que não fica afastada, apenas condicionada ao cumprimento de uma exigência, como tantas outras da legislação processual (A Reforma do Poder Judiciário e o Direito Coletivo do Trabalho, in Revista do Tribunal Superior do Trabalho, vol. 71, n.º 1, págs. 190-197).
Considero que o acordo prévio entre as partes para o ajuizamento do dissídio não se configura como típica condição da ação. Caso típico próximo, é o da exigência, fixada na Consolidação das Leis do Trabalho, e consagrada na Constituição vigente, de esgotamento prévio das negociações bilaterais, para que se ajuíze o dissídio coletivo. A parte autora sempre poderá demonstrar o impasse nas negociações coletivas e ingressar em Juízo sponte sua, ainda que se depare com a absoluta ausência de interesse da parte adversa.
Em outra vertente, tem-se considerado a semelhança entre a nova postura ensejada pelo parágrafo 2.º do art. 114 da Constituição e dispositivos tidos como restritivos do acesso direto à tutela jurisdicional. Caso típico é o da submissão da demanda de natureza trabalhista à Comissão de Conciliação Prévia, instituída pela Lei n.º 9.958/2000. Todavia, ainda nesse âmbito, o impasse na tentativa conciliatória sempre poderá ensejar a declaração nesse sentido a ser juntada à petição inicial da eventual reclamação trabalhista (art. 625-D, § 3.º, da CLT).
Há considerações sobre a natureza declaratória da ação coletiva do trabalho, o que afastaria o seu enquadramento entre as ações de índole contenciosa. Todavia, o fundamento legal da ação declaratória não favorece esse entendimento, já que se objetiva basicamente a declaração da existência, ou não, de relação jurídica, com vistas à garantia de direito material ou processual, em face do interesse da parte requerida. O dissídio coletivo de natureza econômica não se afasta desse cometimento a garantia de interesses das coletividades representadas.
Resta considerar o entendimento de que, no âmbito do dissídio coletivo, a jurisdição seria voluntária, como ocorre no Cível, notadamente em algumas ações do Direito de Família. Todavia, no contexto da greve, ficariam mal configuradas as hipóteses de instauração do dissídio, que pode decorrer de iniciativa de qualquer das partes, ou do Ministério Público, consoante o ordenamento jurídico.
De qualquer forma, a norma em foco, não obstante o status constitucional, submete-se ao controle da constitucionalidade, pelo que entendo objetivamente aplicável a literalidade da diretriz constitucional, até que venha a ocorrer a oportuna manifestação do Supremo Tribunal Federal (ADIns 3392/10, 3423/10, 3431/10 e 3432/10). Depreende-se desse entendimento que, na ausência da formalidade essencial, exigida na Constituição, para a propositura da ação coletiva – que pode-se evidenciar pela ausência de petição conjunta ou pela não-apresentação do documento que expresse a anuência do Suscitado apenas o Autor poderá ser intimado a comprová-la, no prazo designado, à luz dos artigos 283 e 284 do CPC.
Não demonstrado o comum acordo, evidencia-se a inviabilidade do exame do mérito da questão controvertida, por ausência de condição da ação, devendo-se extinguir o processo, sem resolução do mérito, à luz do art. 267, inciso VI, do CPC. Da Preliminar de Extinção do Processo sem Resolução do Mérito por Ausência de Formalidade Essencial art. 267, inciso VI, do CPC. Conforme relatado, a empresa Suscitada manifestou à fl. 197 expressa oposição à propositura da Ação. Não obstante consignada em petição sem assinatura, considero-a, adicionalmente, ao entendimento acima configurado quanto à exigibilidade da concordância expressa das partes na petição inicial ou em documento a esta anexado para o ajuizamento do Dissídio Coletivo.
Por esses fundamentos, acolho a preliminar, para extinguir o processo sem resolução do mérito, à luz do art. 267, VI, do CPC. ISTO POSTO ACORDAM os Ministros da Seção Especializada em Dissídios Coletivos do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, acolher a preliminar de ausência de comum acordo, para extinguir o processo sem resolução do mérito, à luz do art. 267, inciso VI, do CPC. Brasília, 21 de setembro de 2006. CARLOS ALBERTO REIS DE PAULA. Relator?.
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