Minimizar a importância da crise política e ética que sacode o governo não é o melhor caminho para depurar as instituições democráticas. Dizer, como têm dito alguns dos líderes governistas e, até certo ponto, o próprio presidente Lula, que tudo não passa de fuxicos e suposições e que não há provas provadas, é tomar posição defensiva de avestruz. É enfiar a cabeça num buraco para fingir que nada acontece do lado de fora.
Sob o ponto de vista político e da opinião pública, o ideal é investigar a fundo as denúncias feitas e punir os culpados. Mesmo que punidos – porque culpados – sejam os fuxiqueiros e (oxalá seja verdade!) nada de irregular tenha acontecido. Enquetes mostram o contrário. Uma pesquisa aponta que a sociedade acredita na existência da corrupção e do mensalão. E essa crença contamina inclusive o PT, partido do governo e de Lula, que responde, acreditando, numa proporção de 64% dos consultados. Um governo no qual não se acredita ou do qual se desconfia já está, por isso mesmo, em séria crise, mesmo que injustiçado.
Não é o melhor caminho de defesa simplesmente negar. Pior ainda é transformar o regime democrático conquistado a duras penas, depois de largo tempo de ditadura militar, em trincheira para defender-se.
Nos seus últimos discursos, tanto José Dirceu, despedindo-se do cargo de ministro-chefe da Casa Civil, como o presidente Lula, numa cerimônia no interior de Goiás, insinuaram uma suposta insurreição da direita, das forças conservadoras e da burguesia contra o governo de esquerda, do proletariado, que seria o do PT.
Procuraram, numa suposta luta de classes reativada, indicar os motivos do estouro concomitante de tantos escândalos e denúncias. De suspeitas fundadas e denúncias ainda não provadas. Estariam tentando evitar a continuidade do governo popular do PT, das esquerdas, se possível interrompendo-o já ou pelo menos evitando a reeleição de Lula.
A burguesia, insensível aos problemas do povo e acostumada a exercer em benefício próprio o poder, estaria tentando um impeachment do presidente, sua renúncia ou derrota na reeleição que deseja ardorosamente.
Podem ser fantasias as denúncias de mensalão e corrupção. Mais fantasiosa ainda é essa defesa armada: uma imaginária guerra fria interna. Fantasiosa e perigosa, pois, apesar dos pesares e das frustrações da nação por não ver mudanças substanciais e prometidas, as instituições democráticas continuam sólidas. Pútridas no seu exercício, mas formalmente sólidas, cada poder funcionando, os partidos existindo e os pleitos se repetindo. Tudo malfeito, mas existente e longe de reclamar uma interrupção. Pelo contrário, o que se reclama e espera é o fortalecimento das instituições democráticas e tal deve ser feito com sua depuração, eliminando-se a corrupção ou, na melhor das hipóteses, as dúvidas sobre se efetivamente existe. Entrincheirar-se por detrás da democracia é uma atitude covarde e perigosa. Defendê-la e não usá-la como instrumento de defesa é o que se espera de homens públicos responsáveis.